Milhões Perdidos, Futuro Adiado: A Ilusão Europeia de Portugal
Portugal e a torrente de milhões que não virou rio de prosperidade
Há momentos em que os dados parecem sussurrar segredos à nossa história colectiva — e, para Portugal, esse murmúrio tornou-se grito.
Em mais de três décadas de integração europeia, em que os cofres da União Europeia se abriram à nação, esperava-se não apenas auto-estradas ou rotundas,
mas um salto civilizatório, uma metamorfose económica, social e cultural.
Em vez disso, emerge uma contradição: milhões canalizados, progresso parcial, e ainda assim a cauda europeia,
a promessa escorregar como água entre os dedos.
1. A promessa e a realidade
Quando Portugal aderiu à então Comunidade Económica Europeia em 1986, abriu-se o acesso a vastos programas de apoio à coesão económica e social.
Só numa das áreas — a agrícola — foram mais de 37 mil milhões de euros em cerca de três décadas.
Mas receber milhões não foi, nem de longe, suficiente para garantir que Portugal saltasse para um novo patamar:
produtividade debilitada, regiões interiores desertificadas, juventude emigrando.
2. O investimento… e onde se perdeu
Sim — há resultados: explorações agrícolas modernizadas, vinhos que competem internacionalmente,
algumas regiões mais conectadas.
Mas em simultâneo:
- Infra-estruturas que parecem feitas para preencher relatórios, não para gerar riqueza produtiva.
- Um sistema educativo reformado, mas incapaz de combater o analfabetismo funcional e a ausência de inovação.
- Uma interioridade que empobrece mais rápido do que o litoral progride.
É como se tivéssemos plantado árvores grandes para a paisagem — e esquecido fertilizar o solo.
3. A mentalidade que falta
Aqui está o cerne: não bastavam os fundos — faltou a visão, a acção, a coragem de romper com o teatro da mediocridade.
Recebemos os euros da Europa, mas não cultivámos a mentalidade europeia: a competição imparcial, a meritocracia, a cultura de inovação, a exigência das contas.
Resultado: recursos que vão para o mesmo ciclo vicioso — lobby, burocracia e obras que exibem mas não transformam — em vez de investirem no capital humano e na indústria de valor acrescentado.
“Portugal recebeu o dinheiro da Europa, mas não a mentalidade europeia.”
4. Caminho à frente — ou arrisco-me a poeta e visionário
A verdade é dura, mas não está escrita em pedra. Há futuro se aceitarmos que o problema não é só ter os fundos, mas como os usamos.
Imagine-se um Portugal que canaliza os milhões para:
- Educação que forma pensadores, não apenas técnicos;
- I&D que cria startups com pés no país, e não em fuga para o exterior;
- Territórios interiores que retomem vida e dignidade;
- Governança transparente — saber quem recebe, quem gera, quem cumpre.
Se quisermos, podemos fazer da integração europeia um cataclismo de avanço, e não apenas uma vaquinha de obras.
5. Fecho poético
“Os rios que correm na abundância não são os que crescem em largura,
mas os que escavam o leito profundo — fazem caminho, unem terras, alimentam vida.
Nós, Portugal, temos a água — mas falta-nos o leito.
É hora de cavar o solo, não só de verter o líquido.”
Transformemos os milhões em motores de mudança.
Não aceitemos a cauda — recusemos o lugar de quem espera, em vez de agir.
Publicado em Fragmentos do Caos


