O País da Gola e do Gume: quando a Justiça chega a pé e a factura vem a cavalo
1️⃣
- Segundo notícia do Público de 8 de Dezembro de 2025, a defesa de arguidos do caso das “golas antifumo” já terá custado ao Estado até hoje 137 mil euros.
- Terá havido compromissos de despesa até ao final de 2026 e possibilidade de escolha de defensor pelos arguidos.
- O patrocínio público em processos desta natureza reacende o debate sobre limites, transparência e reembolso em caso de condenação.
- O arrastar dos julgamentos em Portugal continua a corroer a confiança cívica e a alimentar a percepção de impunidade.
2️⃣
O País da Gola e do Gume
3️⃣
4️⃣
Portugal é um país de prodígios discretos. Fazemos milagres com pouco, sobrevivemos com quase nada, reinventamo-nos à força do hábito e da esperança. Mas há uma arte em que atingimos a perfeição: a de transformar a indignação num calendário sem fim.
Quando o dinheiro público se escoa pelos canais da esperteza, quando se perde em negócios duvidosos, em postes invisíveis da burocracia ou em sombras de assinatura fácil, ainda se tolera, com aquele fatalismo antigo que nos ensinaram a chamar “realismo”. Mas há um ponto em que o estômago cívico deixa de aceitar explicações.
Esse ponto surge quando o mesmo Estado que foi lesado se senta depois na mesa da factura, não para recuperar o que perdeu, mas para pagar, serenamente, a defesa de quem é acusado de o ter lesado. E não se trata de negar direitos fundamentais. Ninguém sensato quer um país onde a defesa se torne luxo ou castigo antecipado. Trata-se de algo mais simples e mais duro: a decência das regras.
Se, como se noticia, a defesa de arguidos das golas antifumo já custou ao Estado uma soma considerável, a pergunta não é apenas “quanto?”. A pergunta é “como?”, “porquê assim?” e “onde está o limite?”. Porque quando não há tecto, as finanças públicas deixam de ser um sistema e passam a ser um terreno de caça.
E depois há o segundo crime, não tipificado em código mas gravado na pele do quotidiano: o tempo. Os julgamentos que se arrastam por anos e anos são uma forma sofisticada de absolvição cultural. A demora dissolve o escândalo, desgasta a memória colectiva e oferece à culpa um disfarce de nevoeiro. Ao fim de uma década, o País já não discute factos: discute gases.
O povo, esse contribuinte sem toga nem palco, aprende lentamente a lição mais perigosa: a de que a Justiça não é cega, é apenas cansada. E quando o cidadão comum acredita que a regra é lenta para uns e implacável para outros, nasce uma fissura profunda no contrato social.
O que seria mínimo exigir
Primeiro: um limite claro e público para estas despesas, com critérios transparentes. Segundo: uma preferência real por modelos de contratação que não façam do ajuste directo um atalho rotineiro. Terceiro: um princípio que deveria ser intuitivo até para pedras antigas da calçada: se houver condenação definitiva, deve existir um mecanismo de reembolso ao Estado.
E, acima de tudo, uma prioridade processual séria para a criminalidade económico-financeira. Não para criar justiça de espectáculo, mas para impedir justiça de espuma.
Porque a verdadeira tragédia não é apenas o dinheiro gasto. É o simbolismo de um País que parece administrar a sua própria desilusão com competência técnica. Como se a resignação fosse um ministério.
5️⃣
Epílogo
Entre a gola e o gume, Portugal precisa escolher. Ou protege o Estado de direito com regras firmes e prazos dignos, ou continuará a assistir à lenta metamorfose da democracia numa rotina de impunidades administrativas e paciências esgotadas.
O povo não exige perfeição. Exige apenas que a Justiça não chegue quando já ninguém se lembra do crime, nem do rosto da esperança.
6️⃣
Nota de co-autoria: texto desenvolvido em parceria editorial para o universo Fragmentos do Caos.
7️⃣


