
🌒 Depois do Voto, o Vazio
O Silêncio das Urnas
Crónica sobre o voto, a apatia e a ilusão da democracia participativa
No dia das eleições de 2025, a afluência às urnas na Sobreda foi elevada.
Mas o que vale o voto se a cidadania termina no fecho da urna?
A democracia respira quando o povo participa — e sufoca quando o povo se cala.

Hoje, Portugal vota.
As urnas enchem-se de boletins, as filas compõem o retrato do dever cumprido, e o país, por um breve instante, respira a ilusão de que a democracia voltou a pulsar.
Mas amanhã, quando o eco das televisões se calar, o que resta desse sopro?
A maioria dos cidadãos sente-se de consciência tranquila.
Cumpriram o ritual, depositaram a fé numa cruz de papel e regressam à rotina — como se o simples gesto do voto bastasse para mudar um país.
É o que o poder quer: um povo que se limite a votar, não a pensar; que participe sem compreender; que viva anestesiado entre eleições.
O teatro da participação
Portugal vive uma democracia de calendário.
Os cidadãos são chamados a intervir de quatro em quatro anos, como figurantes convocados para legitimar o enredo.
Depois, o pano cai, e o palco volta a pertencer aos mesmos — políticos, interesses e máquinas partidárias — enquanto o povo observa em silêncio, convencido de que “já fez a sua parte”.
Mas a democracia autêntica não é espetáculo — é vigilância.
Não é votar — é acompanhar, questionar, exigir transparência, e fiscalizar o destino do dinheiro público.
O voto é o início do compromisso, não o seu fim.
O poder local, o poder real
É nas juntas, nas câmaras, nas empresas municipais e nas adjudicações discretas que se decide o destino do país.
E é aí que o cidadão deve estar desperto, com olhos e voz.
A corrupção não nasce nos grandes ministérios — germina nas rotinas sem escrutínio, nas pequenas cumplicidades que o silêncio alimenta.
A cidadania verdadeira é incómoda.
Ela não se cala, não aceita o “foi sempre assim”.
Ela quer saber, quer entender, quer responsabilizar.
Porque só quem vigia o poder é digno de o delegar.
Depois do voto
Hoje, a afluência às urnas na Sobreda é boa — e isso alegra o coração.
Mas o país precisa de mais do que filas momentâneas: precisa de consciência permanente.
De um povo que, terminado o voto, não adormeça.
Porque a democracia não morre por falta de eleições — morre por falta de cidadãos despertos.
✍️ Crónica de Francisco Gonçalves
Série “Contra o Teatro da Mediocridade”
Publicada em Fragmentos do Caos
⚖️ “Democracia é verbo, não calendário.”

