
Falta cumprir Abril : Um povo em desespero
50 Anos de Democracia: Entre o Sonho de uma Nação e a Realidade de um País em Suspenso
O Rugido da Liberdade — meio século depois, resta perguntar: o que fizemos do sonho de Abril?
Introdução: O Rugido da Liberdade
A madrugada de 25 de Abril de 1974 foi mais do que o fim de uma ditadura: foi o início de uma promessa.
O povo, cansado da guerra colonial, da censura e da miséria, acreditou que a liberdade seria a semente de um país novo, justo e próspero.
Mas meio século depois, a pergunta ecoa como um grito: o que fizemos do sonho de Abril?
Capítulo 1: As Conquistas Inegáveis (Os Primeiros Passos)
É incontestável que a democracia trouxe vitórias históricas:
- Liberdade: o fim do medo, da PIDE, da censura, da opressão do silêncio. O simples acto de falar sem espiar os cantos da sala foi uma revolução.
- Estado Social: criámos um Serviço Nacional de Saúde, expandimos a escola pública, garantimos segurança social mínima. As portas da dignidade abriram-se para milhões.
- Infraestruturas: da adesão à CEE vieram estradas, pontes, hospitais, modernidade. Portugal deixou de ser um ermo no canto da Europa.
Foram anos de euforia construtiva. O progresso parecia finalmente ao alcance de todos. Mas a liberdade sem justiça social é apenas meio caminho. E Portugal nunca chegou ao destino.
Capítulo 2: A Grande Ilusão (O Preço da Normalidade Europeia)
Entrámos no “clube dos ricos” europeus com a ingenuidade de quem acredita em contos de fadas. Modernizámos, sim, mas à custa da nossa alma económica.
- Desindustrialização: em vez de reinventar a indústria, deixámo-la morrer. De país produtor passámos a país consumidor.
- Subsídio-dependência: os fundos europeus criaram um vício. Projetos sem estratégia, dependência do Estado, economia inflada a papéis, e não a ideias.
- Emigração: a liberdade de circular transformou-se em obrigação de partir. Modernos, mas de malas na mão.
O que parecia um bilhete dourado para a prosperidade revelou-se um contrato de dependência. Estávamos mais europeus, mas menos donos de nós mesmos.
Capítulo 3: O País em que nos Tornámos (A Conta Chegou)
Hoje, meio século depois, o cenário é duro:
- Economia de sobrevivência: vivemos de turismo e serviços baratos. Os jovens — os mais qualificados de sempre — são também os mais precários de sempre.
- Estado Social em ruína: o SNS definha, a escola pública degrada-se, as pensões não chegam. O que foi conquista transformou-se em promessa falhada.
- Fratura geracional: pela primeira vez, os filhos sabem que terão menos do que os pais. O contrato social de Abril quebrou-se.
Portugal parece ter-se habituado a sobreviver com pouco, com a mediocridade erguida a sistema.
A democracia continua a existir — mas cada vez mais como teatro, menos como substância.
Conclusão: O Sonho por Cumprir
A democracia não fracassou. Mas foi sequestrada pela mediocridade, pelos interesses instalados e por elites que confundem Estado com propriedade.
Abril deu-nos liberdade, mas não nos deu coragem suficiente para romper com a pequenez.
O povo sonhou com dignidade e futuro; em vez disso, herdou precariedade e resignação.
A pergunta é cruel, mas necessária: teremos nós a ousadia de reformar o país com a mesma coragem com que se derrubou a ditadura?
Ou continuaremos a viver da sombra de um sonho que se esvai, enquanto os poderosos mantêm a nação em suspenso?
O legado de Abril não é estátua, não é museu, não é desfile de cravos empoeirados.
É um aviso: a liberdade sem coragem de a honrar transforma-se em farsa.
Se o sonho de Abril foi coragem, que a maior traição não seja a nossa cobardia.
✍️ Francisco Gonçalves — publicado em Fragmentos do Caos

