Portugal, Meu País em Estado de Alerta
Em Memória de um País que Ainda Me Dói
É apenas a vela acesa por quem se recusa a assistir calado ao lento velório da sua dignidade.
Portugal, meu país, meu velho companheiro de estrada, hoje escrevo em tua memória como quem fala com alguém que ainda respira, mas já não manda no próprio destino. Não te declaro morto,
porque dentro de ti ainda há crianças que perguntam “porquê?”, cientistas que não desistem, trabalhadores que acordam antes do sol e velhos teimosos que ainda acreditam que a palavra decência pode voltar a ter valor de moeda forte.
Mas não finjo que estás bem.
A tua paisagem é bela, mas o teu sistema é doente.
Decoraram as tuas praças com festivais e slogans de “inovação”, enquanto deixavam apodrecer as estruturas que te podiam sustentar como país de conhecimento, criação e futuro.
Em teu nome, ergueram discursos de orgulho, enquanto vendiam em lotes discretos aquilo que deveria ser o teu património colectivo: tempo, talento, esperança.
Esta crónica é uma pequena homenagem, sim, mas não é um postal ilustrado.
É um abraço tenso a uma nação cansada, um murro na mesa em tua defesa, um gesto de luto por aquilo que já te roubaram e um voto teimoso naquilo que ainda poderás ser.
A infância de um país que prometia mais
Lembro-me de ti em criança, Portugal,
quando a palavra liberdade ainda sabia a terra molhada e a futuro por escrever. Havia poucos recursos e muitos muros,
mas havia também uma energia bruta, quase ingénua, de quem acreditava que um país podia refazer-se com trabalho, escola e coragem.
Cometemos erros, claro. Muitos.
Mas, naquela fase, os erros eram crianças também: tropeçavam, caíam, aprendiam. Hoje, os erros são profissionais: usam fato escuro, consultoras brilhantes, discursos polidos e um talento raro para transformar negócios privados em “estratégias nacionais”.
Em tua memória, não em tua negação
Quando digo “em memória do meu país”,
não é porque tenha desistido de ti.
É porque uma parte de ti já não se reconhece ao espelho.
A parte que se ajoelhou perante interesses obscuros, a parte que trocou serviço público por carreiras paralelas, a parte que aceitou que a mediocridade fosse a língua oficialbdas decisões importantes.
Mas há outra parte tua, Portugal, que eu recuso enterrar: o brilho sereno de quem estuda em silêncio, a teimosia de quem inventa soluções no meio do caos, a ética dos que dizem “não” quando o conforto pede “sim”.
Essa parte ainda vive. Ainda resiste.
Ainda nos chama pelo nome próprio e não pelo número de contribuinte.
Uma pequena homenagem, um compromisso grande
Esta crónica é a minha forma de te dizer: não te perdoo o que te fizeram, mas também não te abandono ao que te querem continuar a fazer.
Se escrevo em tua memória, é porque sei que só se homenageia verdadeiramente aquilo que se quer preservar, e não apenas aquilo que se quer recordar em fotografias amareladas.
Em memória de ti, país que poderia ser farol e se deixou encostar à sombra, deixo-te este voto íntimo e público: continuarei a escrever, a denunciar, a imaginar e a propor.
Continuarei a amar-te sem complacência e a criticar-te sem ódio.
Porque o amor verdadeiro a um país não é o amor que aplaude tudo, é o amor que se indigna quando vê a dignidade tratada como custo colateral.
Em memória de ti, Portugal, não baixo os braços.
E enquanto houver uma linha que eu consiga escrever, haverá sempre, neste canto do caos, uma voz a lembrar-te que ainda podes ser aquilo que prometeste na tua infância de Abril.
Fragmentos do Caos,
em memória de um país que ainda não desisti de chamar “meu”.


