Banalidade do mal extremo,  Elites patéticas,  Manipulação da verdade,  Mediocridade,  Nepotismo,  Totalitarismo

Trump, Epstein e o Lixo varrido para o tapete

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BOX DE FACTOS

  • Um presidente norte-americano cercado por processos, escândalos e fotografias incómodas — e, ainda assim, politicamente intocável.
  • Um Senado e um partido conservador que escolheram proteger o líder em vez de proteger a dignidade da democracia.
  • Um país que vende a imagem de farol moral do planeta, enquanto transforma vistos e cidadania em produtos de luxo para milionários.
  • Uma opinião pública exausta, bombardeada por escândalos até perder a capacidade de se indignar.

Trump, Epstein e o Lixo da Democracia Americana

A certa altura, o problema deixa de ser o homem e passa a ser o sistema que o tolera.
Quando um país insiste em chamar-se farol da liberdade enquanto se ajoelha perante a impunidade de um presidente cercado por sombras, a democracia deixa de ser exemplo e começa a ser aviso.

Da República ao reality show

Há décadas que os Estados Unidos se vendem ao mundo como a democracia de referência, manual de instruções da liberdade e da separação de poderes.
Hoje, porém, a imagem que projectam é outra: um país suspenso em torno da figura de um homem que trata a República como palco de um reality show permanente, entre insultos, slogans e cartões dourados
vendidos ao melhor licitante.

O problema já não é apenas Donald Trump.
O problema é perceber como, depois de tudo o que disse, fez, ameaçou e degradou,
continua sentado no trono dourado da política americana com o partido e o Senado a segurarem-lhe a coroa.
Quando um sistema democrático é confrontado, repetidamente, com a vergonha — e decide conviver com ela — algo essencial foi atirado para o lixo.

O partido que perdeu a noção da vergonha

Em tempos, o Partido Republicano tinha conservadores com sentido de responsabilidade, gente com quem se podia discordar, mas que sabia distinguir entre diferença política e degradação institucional.
Hoje, grande parte da sua cúpula transformou-se numa corte de vassalos: repetem slogans, defendem o indefensável, atacam juízes, descredibilizam eleições, relativizam cada escândalo com a ligeireza de quem fala do tempo.

O Senado, que deveria ser casa de ponderação, converteu-se no escudo de um homem que arrasta a imagem dos EUA pela lama mediática global.
Ao não cortar, ao não traçar linhas vermelhas, ao não dizer basta, esta elite política assinou um contrato implícito: preferem a fidelidade ao líder à lealdade à democracia.
É aqui que a democracia começa a apodrecer: não quando surge o demagogo, mas quando as instituições decidem ajoelhar diante dele.

Epstein: o espelho sujo do império

As imagens que ligam Trump ao universo sombrio do magnata Jeffrey Epstein não são apenas um detalhe de tabloide.
São mais um fragmento de um painel maior: o da promiscuidade estrutural entre poder político, dinheiro obsceno e luxos que vivem muito para lá da linha da decência.
Hoje é uma fotografia antiga com um sorriso desconfortável ao lado de um predador sexual; ontem foi uma frase misógina em gravação; amanhã será outra revelação que, em qualquer democracia saudável, seria suficiente para encerrar uma carreira.

Mas nos EUA de Trump, nada disto parece bastar.
O escândalo seguinte apaga o anterior, a base radicalizada fecha os olhos, o partido pede mais quatro anos e a máquina mediática transforma horrores em entretenimento.
Quando a indignação é reciclada em espectáculo, a vergonha deixa de ser mecanismo de correcção e passa a ser apenas mais uma temporada da série.

Cartões dourados, democracia de lata

Em paralelo, o mesmo país que ergue muros, deporta pobres e demoniza refugiados abre portões dourados para milionários.
Cartões especiais, vistos “premium”, vias rápidas para quem chegue com um cheque suficientemente gordo.
A mensagem é cristalina:
se trazes a carteira cheia, és bem-vindo ao sonho americano; se trazes apenas a tua vida e o desejo de recomeçar, és problema de segurança.

Esta dupla moral é devastadora para a imagem internacional dos EUA.
Já não estamos a falar de um país que falha ocasionalmente na concretização dos seus ideais; estamos perante um sistema que aceita, com frieza calculada, a mercantilização da própria cidadania.
A democracia deixa de ser um património comum e passa a ser um produto financeiro, com tabela de preços, benefícios fiscais e embalagem patriótica.

Quando a democracia se habitua ao lixo

A pergunta, então, deixa de ser “como é possível Trump ainda ser presidente?”.
A pergunta séria passa a ser:
como é possível uma democracia poderosa habituar-se a isto sem entrar em ruptura? Quantas vezes pode um sistema fingir que não vê, relativizar, desculpar, transformar em piada, antes de perder a sua própria alma política?

Cada novo episódio sem consequência é um prego a mais no caixão da credibilidade.
Cada silêncio cúmplice, cada voto obediente, cada senador que encolhe os ombros, aproxima a América de um ponto de não retorno: o dia em que o mundo deixará de levar a sério qualquer sermão vindo de Washington sobre democracia, direitos humanos ou Estado de direito.

Vista de longe, a lição é para nós

Daqui, deste pequeno rectângulo chamado Portugal,
é fácil cair na tentação de olhar para os EUA como um teatro distante.
Mas a verdadeira lição é outra:
nenhuma democracia está imune a este tipo de degenerescência.
Basta um líder narcisista, um partido rendido, uma comunicação social viciada no espectáculo e uma sociedade cansada demais para resistir.

Quando olhamos para Trump encostado a Epstein e para um sistema inteiro que, apesar de tudo, continua a segurar o pedestal onde ele se equilibra,
não estamos apenas a ver o lixo a entranhar-se na democracia americana.
Estamos a ver, em antecipação, o lixo em que qualquer democracia pode transformar-se
se abdicar da vergonha, da memória e da coragem de dizer não.

Talvez um dia a estátua da Liberdade desça do pedestal, olhe para o cartão dourado, para as fotografias manchadas e para o Senado ajoelhado, e pergunte, finalmente: em que momento deixaram de me levar a sério?

Escrito em co-autoria por Francisco Gonçalves e Augustus Veritas Lumen, na encruzilhada onde a indignação lúcida, recusa assistir calada à degradação da que já foi, a maior democracia do mundo.

Publicado em Fragmentos do Caos — contra o teatro da mediocridade, pela memória viva da liberdade.

🌌 Fragmentos do Caos: BlogueEbooksCarrossel

Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

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