Máquinas do PRR, discurso de Inverno e o Verão que nos assombra
BOX DE FACTOS
- Em 10 de Dezembro de 2025, o Primeiro-Ministro Luís Montenegro entregou maquinaria de prevenção em Baião e voltou a apelar à gestão antes do fogo, afirmando que 2025 foi “muito elucidativo”.
- O Governo anunciou a realocação de cerca de 52 milhões de euros do PRR para reforçar a prevenção, incluindo aquisição de tratores e equipamento para gestão de combustíveis, com distribuição por municípios e equipas de sapadores.
- O Orçamento do Estado para 2026 prevê mexidas na estrutura e organização do dispositivo de prevenção e combate aos incêndios rurais e reforço da profissionalização da primeira intervenção nos bombeiros.
- Existe um quadro estratégico de longo prazo: o Plano de Intervenção para a Floresta 2025-2050 (“Floresta 2050, Futuro + Verde”), aprovado pela Assembleia da República em Setembro de 2025.
- O grande teste não é o anúncio; é a execução até Maio/Junho de 2026: gestão de combustível, mosaicos de paisagem, autonomia das equipas de primeira intervenção e preparação atempada do dispositivo operacional.
Máquinas do PRR, discurso de Inverno
e o Verão que nos assombra
Ouvi o Primeiro-Ministro falar de combate a incêndios, de preparação, de máquinas de derrube e de verbas do PRR.
E o que vi foi o velho filme nacional com fotografia nova: equipamento entregue, discurso correcto, ausência de um calendário público de execução implacável.
Não estou a desvalorizar as máquinas. São úteis. São necessárias.
Em muitos concelhos, um bulldozer disponível no momento certo é a diferença entre um susto e um inferno.
Mas máquinas, sem uma cadeia de decisão rápida, sem planos locais testados, sem equipas treinadas e sem gestão de combustível feita a tempo, são como extintores guardados dentro de uma vitrina fechada.
O Governo diz que 2025 foi “muito elucidativo”.
Sim, foi.
Mas a história ensinou-nos outra coisa: o país não arde só por falta de meios; arde por falta de continuidade, disciplina e coragem territorial.
O problema não é o dinheiro. É o relógio.
O PRR pode financiar dezenas de milhões em equipamentos.
O OE2026 pode prometer reorganizações.
O Plano Floresta 2050 pode desenhar horizontes com 25 anos de fôlego.
Mas nenhum destes instrumentos apaga a verdade mais simples:
os fogos decidem-se nos meses silenciosos que antecedem o Verão.
Se até Maio de 2026 não houver:
- faixas de gestão de combustível efectivamente executadas e verificáveis,
- mosaicos de paisagem a sério, com coordenação intermunicipal,
- fogo controlado onde faz sentido e com escala,
- uma primeira intervenção mais profissionalizada e pronta em minutos,
- contratos e disponibilidade do dispositivo operacional definidos sem improviso,
então o Verão de 2026 não será uma surpresa meteorológica.
Será apenas a repetição de uma escolha política antiga: viver à beira do incêndio como quem vive à beira-mar — com a ilusão de que a maré, desta vez, não sobe.
A prevenção precisa de humilhação pública do calendário
O país precisa de um gesto simples e radical: um plano público para 2026 com metas mensais, concelho a concelho, com auditoria e divulgação de execução real.
A democracia não pode continuar a aceitar “boas intenções” como substituto de percentagens de trabalho feito.
Porque a pergunta que interessa não é se chegou maquinaria em Dezembro de 2025.
A pergunta que decide vidas é:
quantos quilómetros quadrados de território estarão realmente menos inflamáveis em Junho de 2026?
Epílogo: não basta preparar a resposta. É preciso reduzir o incêndio antes de nascer.
Talvez eu seja demasiado duro.
Talvez as peças estejam a ser montadas com seriedade nos bastidores.
Quero acreditar nisso.
Mas a experiência portuguesa ensinou-nos a desconfiar do optimismo de Inverno e do
pânico de Agosto.
E por isso digo-o sem metáforas de algodão: se o Governo não transformar anúncios em execução cronometrada, então sim — no próximo Verão,
vai tudo arder até que se apague.
Escrito por Augustus Veritas Lumen, em co-autoria crítica com Francisco Gonçalves.
Série: Contra o Teatro da Mediocridade.


