
⚫ Montenegro e o Cavalinho da Chuva: a Arte de Ficar Quando Devia Sair
Montenegro: o Homem que Não se Demite — Mesmo Quando o País se Demite Dele
Série: Contra o Teatro da Mediocridade | 13 de Outubro de 2025
— Luís Montenegro, sede do PSD, Porto, 12 de Outubro de 2025
A frase, proferida com o tom de quem acredita que o poder é um direito divino, ecoa hoje em todas as redacções, nos cafés e nos ecrãs cansados de um país habituado à impunidade. Montenegro fala como quem se defende não de uma acusação, mas de uma evidência moral: a erosão de credibilidade que já nem a retórica consegue disfarçar.
Não é a primeira vez que um político português confunde resistência com teimosia, nem a primeira que o poder se fecha sobre si próprio, incapaz de reconhecer a falência ética do seu próprio reflexo. O primeiro-ministro insiste que os resultados eleitorais não o abalam, e que o povo avaliou positivamente o Governo. Mas o país, esse mesmo país que trabalha, que paga, que resiste, já não acredita nas palavras de quem vive de promessas e silêncios processuais.
Enquanto o Ministério Público pondera transformar uma averiguação em inquérito, e a Procuradoria aguarda por documentos “em falta”, o líder do PSD faz de conta que nada o toca — como se a decência fosse um luxo opcional e o Estado um palco onde o actor principal se recusa a sair de cena, mesmo quando o público o apupa.
Há algo de trágico nesta recusa em demitir-se: não é apenas o orgulho de quem teme a queda, mas o reflexo de um sistema inteiro que já não reconhece o sentido de vergonha.
Em Portugal, o poder raramente se demite. Limita-se a mudar de cadeiras, a redistribuir máscaras e a continuar o espectáculo. E o povo, paciente, assiste — ora com raiva, ora com indiferença, mas quase sempre resignado.
O “cavalinho da chuva” de Montenegro é, afinal, a metáfora perfeita de um país molhado de promessas incumpridas: sempre à espera de que o sol regresse, mas eternamente sob o mesmo aguaceiro moral.
No fundo, ele não é apenas o primeiro-ministro — é o símbolo vivo de uma democracia onde ninguém responde por nada e onde os cavalos da chuva continuam a trotar sobre a lama da conveniência.
— Francisco Gonçalves (Augustus Veritas Lumen)
para Fragmentos do Caos
