
O colapso lento da civilização moderna : A decadência e beleza simultâneas
O Crepúsculo do Mundo Civilizado: a elegância da decomposição
Por Francisco Gonçalves & Augustus Veritas Lumen
Série: Contra o Teatro da Mediocridade
Há civilizações que morrem em silêncio, e outras que morrem com luzes LED acesas e hashtags motivacionais.
A nossa escolheu o segundo caminho: está em decomposição, mas instagramável. 🌍📱
Nunca o mundo pareceu tão evoluído, tão informado, tão orgulhoso da sua racionalidade — e, paradoxalmente, tão profundamente vazio.
Construímos cidades inteligentes e almas analfabetas.
Erguemos democracias digitais e mentes incapazes de discernimento.
Somos, ao mesmo tempo, o auge da técnica e o abismo do sentido.
A civilização ocidental, que um dia quis iluminar o mundo com o logos, brilha agora com luz artificial de ecrãs.
Tudo é rápido, tudo é líquido, tudo é efémero — até a indignação.
O cidadão moderno é uma criatura multifuncional: trabalha, comenta, opina, “apoia causas”, partilha indignações e esquece tudo antes do jantar.
Chamam-lhe “progresso”.
Mas no fundo é entropia com design minimalista.
O homem civilizado, outrora movido pela curiosidade e pela razão, tornou-se um consumidor de certezas instantâneas.
A filosofia foi substituída pela autoajuda;
a política, pelo marketing emocional;
a ciência, pelo espetáculo da novidade.
E a verdade, coitada — foi para o desemprego.
Vivemos cercados por factos, mas órfãos de sentido.
Temos liberdade de expressão, mas medo de pensar fora da manada.
As universidades formam especialistas que não compreendem o mundo, e os governos são geridos por gestores que não compreendem as pessoas.
A decadência do mundo civilizado é, portanto, um colapso elegante.
Nada cai — apenas se esvazia.
Nada arde — apenas perde temperatura.
É uma morte em slow motion, filmada em 4K, com legendas e música ambiental.
O espetáculo da civilização moderna é tão bem produzido que o público nem percebe que o palco já cedeu.
Ainda se fala em “valores europeus”, “democracia liberal”, “direitos humanos” — mas são palavras que ecoam num templo abandonado.
Os sacerdotes da razão continuam a celebrar o rito, mesmo sem fiéis.
Eis a ironia: quanto mais se fala em “progresso humano”, mais evidente se torna a nossa regressão espiritual.
O homem moderno aboliu Deus, mas inventou uma nova divindade: o Ego Conectado.
Não precisa de transcendência — basta-lhe sinal Wi-Fi.
E se a alma dói, há sempre um podcast sobre “autocuidado consciente”.
A barbárie já não chega montada em cavalos.
Chega em notificações.
Mas há uma beleza estranha neste crepúsculo.
Porque quando o verniz civilizacional começa a estalar, vê-se por baixo o que fomos e o que poderíamos ter sido.
E talvez — talvez — este seja o início de uma nova lucidez.
A decomposição, afinal, é o prelúdio da fertilidade:
o império apodrece, mas o solo ganha vida.
O mundo civilizado desaba — sim — mas não em silêncio.
Desaba com ironia, com sarcasmo e com elegância.
E enquanto os últimos impérios digitam o seu epitáfio em PowerPoint, há quem ainda escreva, em papel e alma:
“Tudo o que é sólido se desfaz em dados.”
O crepúsculo é belo.
E como todos os crepúsculos, anuncia o fim —
mas também o princípio de uma nova luz. 🌅
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