
“O futuro não se compra: constrói-se no Ser”
O Ser e o Ter: A Escolha de uma Civilização
Texto originalmente escrito em outubro de 2014 por Francisco Gonçalves, agora renovado em 2025.
Tema central: a tensão entre o “ser” e o “ter” como eixo da civilização.
Há mais de uma década escrevi que o desenvolvimento pleno do ser humano e das sociedades só poderia ser atingido através de uma cultura centrada no ser como valor supremo. Hoje, em 2025, essa convicção não só permanece, como ganhou uma nitidez assustadora. O caminho que temos trilhado, alicerçado no ter, revelou-se não apenas insustentável, mas também corrosivo para a dignidade humana.
A ditadura do “ter”
O ter tornou-se a medida de todas as coisas: o valor de uma vida calcula-se em património, seguidores, estatuto. Não se pergunta o que uma pessoa é, mas sim o que possui, o que ostenta, o que mostra. E quando as sociedades reduzem o humano a esse cálculo frio, a consequência é inevitável: o ser desaparece.
Vivemos hoje sob a ditadura do consumo, do espetáculo e da aparência. As redes sociais amplificaram o vício da comparação: a felicidade já não é vivida, é encenada para ser validada por um punhado de cliques. O corpo é moldado, a opinião é domesticada, a vida é convertida em produto.
No mundo do ter, a ética é facilmente sacrificada em troca de lucro. A política transforma-se em teatro de interesses, a ciência em mercadoria de lobbies, a arte em entretenimento descartável. E, no quotidiano, as pessoas trocam tempo e saúde por um salário que mal lhes permite sobreviver, acreditando que mais consumo lhes trará mais liberdade.
O colapso do “ser”
O resultado é visível: solidão epidémica, depressões em crescimento, juventudes sem horizontes, famílias fragmentadas, democracias esvaziadas de sentido. O ser social — que outrora se expressava na comunidade, no diálogo, no encontro humano — dissolveu-se no individualismo narcisista.
Nunca a humanidade falou tanto em liberdade, mas nunca foi tão prisioneira de sistemas de controlo invisíveis: algoritmos, dívidas, rotinas, falsas necessidades. O ter prometeu abundância, mas entregou cansaço, alienação e a sombra da catástrofe ambiental.
O futuro só existe no “ser”
Mas há um caminho alternativo. Quando o ser humano é colocado no centro, as sociedades prosperam de forma sustentável. Não se trata de negar a importância da economia ou da tecnologia, mas de lhes devolver o papel de meios, e não de fins.
O ser é criatividade, solidariedade, empatia, sabedoria. É nele que se encontra a verdadeira riqueza: a que não se contabiliza em contas bancárias, mas em relações, conhecimento, sentido de vida. Uma sociedade que coloca o ser acima do ter torna-se inevitavelmente mais justa, mais livre e mais inovadora — porque não desperdiça o potencial humano em futilidades.
A encruzilhada
Estamos, pois, numa encruzilhada histórica. Continuar a adorar o ter é insistir num modelo de suicídio coletivo, onde nações inteiras se afundam em dívidas, guerras e desesperança. Recentrar o mundo no ser é escolher um futuro de esperança, de criação e de humanidade partilhada.
“O futuro da civilização não será decidido por avanços tecnológicos ou crescimento do PIB, mas por esta pergunta essencial:
continuaremos a medir a vida pelo que possuímos, ou finalmente pelo que somos?”

