
A Europa despojada de valores
Miguel Torga e a Europa Sem Valores
Em 1993, Miguel Torga escreveu:
“Ninguém me encomendou o sermão, mas precisava de desabafar publicamente.
Não posso mais com tanta lição de economia, tanta megalomania, tão curta visão do que fomos, podemos e devemos ser ainda,
e tanta subserviência às mãos de uma Europa despojada de valores.”
As palavras de Torga ecoam em 2025 como se tivessem sido escritas ontem. O diagnóstico é brutal e certeiro:
lições de economia vazias, megalomanias de dirigentes, visão curta sobre o futuro e uma Europa sem valores.
Trinta anos passaram, mas o enredo não mudou. Portugal continua prisioneiro de tecnocratas que falam em PIB e défices enquanto o povo sobrevive entre salários mínimos e impostos máximos. Continuamos reféns de megalomanias políticas, obras faraónicas que inauguram manchetes mas não constroem futuro.
A Europa, que deveria ser comunidade de valores, reduziu-se a mercado de interesses. Um continente que prometia solidariedade, mas que se ajoelha perante bancos, lobbies e burocratas sem alma. A mesma “Europa despojada de valores” que Torga denunciava — e à qual ainda nos curvamos, com a docilidade de um vassalo.
“Somos governados por especialistas em contas, mas órfãos de estadistas de visão.
E quando uma civilização troca valores por tabelas de Excel, assina o seu próprio atestado de morte.”
No fundo, Torga disse-nos o que ainda recusamos ouvir: Portugal e a Europa sofrem da mesma doença crónica — a incapacidade de colocar o ser acima do ter, o valor humano acima da contabilidade burocrática.
Três décadas depois, o sermão que ninguém lhe encomendou continua a ser a homilia que mais precisamos:
uma denúncia da mediocridade instalada, uma exigência de coragem, uma defesa do futuro que teimamos em hipotecar.

