
💼 Relatórios à Medida do Cliente — A Arte Nacional da Consultoria Obediente
A Consultoria do Reino: Como Enganar o Espelho

Ilustração simbólica: o consultor e o espelho da verdade distorcida.
Há um país encantador, de sol eterno e burocracia perpétua, onde a palavra “consultoria” significa tudo, menos pensar. Aqui, consultorias são como sapatos: encomendam-se à medida do pé do cliente, não do caminho que ele devia percorrer.
Quando uma empresa pública ou um banco semi-morto decide “avaliar estratégias”, já sabemos o enredo: contratam uma firma de nome estrangeiro — quanto mais impronunciável melhor — para produzir um documento cheio de setas, gráficos e expressões em inglês como stakeholders, synergy, e governance framework.
Mas atenção: a fatura só é paga se o relatório for simpático. Se, por azar, a consultoria disser a verdade — ou seja, que o rei vai nu — o contrato entra na fase “revisões à la carte”. É a ciência moderna do “ajusta aí umas conclusões”, “mete mais umas recomendações verdes” e “retira a parte em que chamaste incompetente à administração”.
Portugal inventou a consultoria reversível: primeiro pede-se uma opinião; depois exige-se que ela mude.
No Banif, esse teatro atingiu o apogeu. As consultorias eram chamadas para confirmar aquilo que já se tinha decidido fazer mal. Era uma espécie de “confissão assistida”: as decisões vinham tortas, mas precisavam de alguém com um PowerPoint caro para lhes dar a bênção. E se o consultor insistisse em usar a razão, arriscava-se a sair pela porta dos fundos — sem pagamento e com fama de “difícil”.
E o Banco de Portugal? Ah, o nosso templo da neutralidade celestial. Dois dias após a substituição de um governador por outro, encomendou-se uma sondagem para saber o que os portugueses pensam da instituição. Ora, é como perguntar às gaivotas se gostam da ponte: irrelevante, mas fica bem no press release.
A ironia é que o Banco de Portugal não governa nada — apenas copia circulares do BCE e finge supervisão com cara grave. No fundo, é o mordomo do sistema financeiro europeu, limpando discretamente as migalhas da mesa dos grandes.
Vivemos, pois, num país onde a consultoria substitui o pensamento, o relatório substitui a ação e o feedback substitui a verdade.
A grande comédia nacional é esta: pagamos milhões para nos dizerem o que queremos ouvir — e, mesmo assim, pedimos desconto se o elogio vier com gramática.
Francisco Gonçalves
Série: Contra o Teatro da Mediocridade

