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Quando a Balança se Parte: O Juiz, o Silêncio e o Eco da Justiça

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📜 Box de Factos

  • Juiz: Ivo Rosa
  • Processo: Operação Marquês / José Sócrates
  • Decisão instrutória: 9 de abril de 2021
  • Principais consequências: Redução de 31 para 6 crimes imputados a Sócrates; críticas severas ao Ministério Público; reversão parcial pela Relação de Lisboa.
  • Contexto adicional: Inquéritos arquivados ao próprio juiz; suspeitas e escutas autorizadas pelo MP.

O Juiz e o Espelho: As Decisões de Ivo Rosa e as Razões da Desconfiança

I. A Montanha e o Espelho

O processo Marquês foi o Everest da Justiça portuguesa: vasto, intrincado, e com ventos que sopram em todas as direções do poder.
No cimo desse labirinto judicial estava o juiz Ivo Rosa, figura enigmática, ora vista como guardião do rigor processual, ora como artífice de um desmoronamento calculado.
Foi ele quem, com a caneta na mão e a toga a pesar-lhe nos ombros, reduziu o vendaval de 31 crimes imputados a José Sócrates a apenas seis.
O país ficou suspenso entre dois sentimentos contraditórios: o alívio dos que viam um juiz a cumprir a letra da lei e a incredulidade dos que viram ruir anos de investigação.

II. As Decisões que Fizeram Tremeu o Sistema

Rosa desmontou, uma a uma, as teses do Ministério Público (MP), acusando os procuradores de falta de rigor, de “construções fantasiosas”, de “delírio acusatório”.
A sua linguagem era mais literária do que técnica, mais desafiante do que prudente.
Parecia querer não só decidir, mas julgar os que acusavam.
E, no entanto, o papel de um juiz de instrução não é o de juiz supremo — é o de porteiro da Justiça: aquele que decide se um processo merece julgamento ou não.
Mas Rosa foi além da porta: entrou no salão, rearrumou os móveis, mudou as cortinas e declarou que muitas provas estavam “prescritas”, “insuficientes” ou “ilegais”.

As consequências foram devastadoras.
O Ministério Público, que durante sete anos havia reunido 50 mil páginas de investigação, viu o seu castelo colapsar sob o peso de um despacho.
O país olhou para o juiz, e o juiz olhou para o país — mas ninguém viu a mesma coisa.

III. A Desconfiança Ganha Voz

Foi então que a sombra começou a crescer.
O Ministério Público, desconfiado, começou a escutar — não por capricho, mas porque algo soava dissonante.
As decisões de Ivo Rosa não eram apenas ousadas; eram contrárias à jurisprudência dominante.
Alegações de prescrição onde outros juízes viam prazo; interpretações de prova que pareciam beneficiar o arguido; decisões de restrição de acesso ao processo, que limitavam a transparência pública.

A desconfiança não nasceu de rumores — nasceu da aritmética da improbabilidade.
Demasiadas decisões favoráveis à defesa, demasiadas críticas acerbas ao Ministério Público, demasiadas coincidências temporais.
Em 2021, um inquérito foi aberto contra o próprio juiz, por suspeitas de corrupção e peculato.
Nada se provou — o processo foi arquivado —, mas o simples facto de ter existido manchou a toga.
A Justiça é uma liturgia que vive de símbolos: e o símbolo de um juiz sob investigação é corrosivo.

IV. A Reversão e o Contraponto

O Tribunal da Relação de Lisboa viria mais tarde a corrigir o rumo, reabrindo acusações, alargando o leque de crimes e devolvendo alguma coerência ao edifício jurídico.
Mas o mal estava feito.
A confiança pública — essa flor frágil — murchara.
O nome Ivo Rosa passou a dividir a opinião pública como um bisturi: entre os que o viam como mártir da legalidade e os que o viam como cúmplice da impunidade.

V. As Escutas e o Eco da Justiça

Dizem que a Justiça tem ouvidos de ferro.
Neste caso, o ferro dobrou-se.
As escutas autorizadas pelo Ministério Público, ainda que controversas, nasceram de uma convicção: havia que perceber se o juiz das absolvições estava a agir com pureza ou com agenda.
As investigações não encontraram provas de corrupção, mas revelaram o estado febril de um sistema judicial em que ninguém confia em ninguém — nem mesmo entre os seus próprios juízes.

A lição é amarga: quando a Justiça deixa de inspirar confiança, começa a ser observada.
Quando o juiz se torna suspeito, o país inteiro perde um pouco da sua alma cívica.

VI. Epílogo: A Justiça e o Abismo

O caso Ivo Rosa não é apenas sobre um homem: é sobre a erosão silenciosa da autoridade moral da Justiça.
Entre o excesso de poder dos procuradores e o formalismo impenetrável dos juízes, ergue-se um sistema que parece lutar contra si próprio.
E enquanto as togas se enfrentam, o povo observa — descrente, cansado, talvez já indiferente.

Afinal, que justiça é esta que julga os seus próprios juízes?
Talvez a resposta resida na frase de um velho magistrado francês:
“Quando a Justiça deixa de ser transparente, transforma-se em poder. E o poder, quando se fecha, apodrece.”

Portugal olha para o espelho e pergunta: quem julga o juiz?

— Augustus Veritas Lumen · Fragmentos do Caos
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Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

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