Corrupção,  Democracia e Sociedade,  Mediocridade,  Nepotismo

🔥 Democracia em Julgamento: Quando os Réus Desfilam de Faixa e Sorriso

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📜 Box de Factos

Tema: Autarcas eleitos com processos judiciais em curso.

Contexto: Vários presidentes de câmara, reeleitos nas últimas eleições, estão a ser investigados ou já foram condenados em processos de corrupção, abuso de poder ou gestão danosa.

“Em Portugal, há quem seja julgado no tribunal… e há quem seja reeleito nas urnas — o mesmo povo queixoso aplaude os seus carrascos.”

A Democracia dos Réus: Quando a Urna se Torna Tribunal e o Povo, Juiz Cego

Portugal voltou a cumprir o ritual: filas às portas das assembleias de voto, sorrisos de vitória nos balcões da televisão, e discursos cheios de promessas recicladas. Mas há um detalhe que mancha o acto democrático — o facto de vários autarcas eleitos estarem a braços com a Justiça. Investigados, arguidos, alguns até condenados em primeira instância… e, ainda assim, reconduzidos com pompa e circunstância.

Vivemos uma época em que a Justiça tarda, e o eleitor perdoa antes de o tribunal decidir. Onde a suspeita já não pesa — relativiza-se. Onde a moral é uma nota de rodapé e o pragmatismo, a regra. “Roubam, mas fazem” — eis o novo hino nacional, entoado entre churrascadas e comícios, entre o desencanto e a resignação.

Há autarcas que governam entre prazos judiciais e inaugurações de rotundas, que trocam a gravata pelo advogado e regressam triunfantes à praça pública. O povo, anestesiado pela rotina e pelo medo de perder as migalhas que restam, vota como quem escolhe o carrasco mais simpático. Assim, **a urna converte-se em tribunal** e **a democracia em caricatura de si própria**.

Portugal tornou-se o país onde o crime não impede o poder, apenas o torna mais hábil. Um país onde os inocentes desconfiam, e os culpados dão entrevistas. Onde o sistema judicial, lento e hesitante, se arrasta entre recursos, prescrições e silêncios cúmplices — enquanto o povo, cansado de esperar por justiça, prefere premiar o vício travestido de obra feita.

A normalização do escândalo

Este é talvez o maior perigo: a normalização. O momento em que o cidadão deixa de se indignar. Quando o desvio de milhões é comentado como quem fala do tempo, e o crime de colarinho branco se torna conversa de café. A corrupção já não choca — entretém. O país assiste, passivo, ao desfile de escândalos, como quem vê um reality show com episódios semanais.

Mas cada voto dado a um réu é um prego simbólico no caixão da decência. Cada reeleição de um corrupto é um insulto àqueles que ainda acreditam na justiça, na transparência e no mérito. Quando o povo legitima o corrupto, o corrupto deixa de ser o problema — passa a ser o reflexo.

Entre o silêncio e a cumplicidade

O silêncio das instituições é ensurdecedor. Partidos políticos que se calam, magistrados que se arrastam, eleitores que desculpam. Todos cúmplices de um teatro que repete o mesmo guião: o do “não há provas”, o do “foi tudo mal interpretado”, o do “é uma cabala política”. E assim, o palco da democracia vai-se enchendo de actores sem alma, mas com folha corrida.

O problema, caro leitor, não é apenas a corrupção — é o sistema que a tolera, e a sociedade que a consome. É a cultura de impunidade transformada em hábito nacional, o vício de chamar “esperto” ao ladrão, e “ingénuo” ao honesto. É o medo de romper com o velho ciclo de compadrio e de mediocridade que nos mantém prisioneiros do passado.

Enquanto o voto for cego e a justiça manca, a corrupção dançará livre — e a democracia continuará a ser um baile de máscaras, onde o povo aplaude os mesmos que lhe roubam a esperança.


© Francisco Gonçalves — Série “Contra o Teatro da Mediocridade”
Publicado em Fragmentos do Caos

🌌 Fragmentos do Caos: BlogueEbooksCarrossel

Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

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