
💥 Sombras de Estado: a retórica do invisível
As Forças Ocultas do Poder Visível
O primeiro-ministro Luís Montenegro afirmou estar “indignado e revoltado” com a investigação da Procuradoria-Geral da República
e falou em “forças ocultas” que pretendem desestabilizar o Governo.
Portugal, país de encantos e espantos, voltou a entrar em modo novela: o primeiro-ministro, de toga verbal e olhar inflamado, declarou-se
“indignado e revoltado” — não com a corrupção, não com a decadência moral, mas com o atrevimento da justiça em tocar-lhe à campainha.
Há algo de poético nesta fúria seletiva. As “forças ocultas” surgem sempre que o poder tropeça nas suas próprias sombras.
São o saco de boxe preferido dos que juram inocência com voz trémula e punhos cerrados — não contra o crime, mas contra quem investiga o crime.
Ocultas, diz ele. Mas o que é oculto num país onde tudo se faz às claras e nada se esclarece?
Essas forças não vivem nas trevas — vivem nos gabinetes, nas avenidas do poder, nos almoços discretos e nas chamadas que não deixam rasto.
São tão visíveis que se tornaram invisíveis pela repetição.
Montenegro fala de conspiração, como se o país tivesse tempo para intrigas metafísicas.
A verdadeira força oculta é a impunidade crónica — essa energia negra que atravessa governos, partidos e décadas,
e que transforma escândalos em ruído de fundo e vergonha em rotina administrativa.
“As forças ocultas são apenas as mãos que empurram o tapete para esconder a sujidade que o próprio poder derramou.”
Indignado? Revoltado? Pois que o seja, mas com o país real — o das filas nos hospitais, o das escolas degradadas,
o dos salários de miséria e das promessas recicladas em cada ciclo eleitoral.
Essa sim, é uma força — visível, palpável e ignorada com maestria aristocrática.
No fim, o espetáculo repete-se: o governante ferido de honra posa para a câmara, o comentador suspira, o povo muda de canal.
E o sistema, esse monstro de terno e gravata, continua a rir-se nas entrelinhas.
— Augustus Veritas & Francisco Gonçalves
Série: “Contra o Teatro da Mediocridade”

