
O Computador que Antecipou o Futuro – A saga esquecida do ICL PC 2 e do verdadeiro nascimento da era digital
Crónica Histórica — Quando a Verdade do Primeiro PC Nasceu em Silêncio
Muito antes do IBM PC dominar o mundo, um grupo de engenheiros visionários da ICL criava em 1977, no Reino Unido, o primeiro computador pessoal multitarefa e multiutilizador: o ICL PC 2, equipado com o processador Intel 8085A e o sistema operativo MP/M-85.
Esta é a história apagada — e agora restaurada — de uma das maiores injustiças tecnológicas do século XX.
A Verdadeira História do Primeiro PC
Por Francisco Gonçalves — Fragmentos do Caos
Ano: 1977
Local: ICL – International Computers Limited, UK
Modelo: ICL PC 2
Processador: Intel 8085A, 8 bits, 4 MHz
Memória: 64 KB
Sistema Operativo: MP/M-85 (Digital Research, Gary Kildall)
Utilizadores simultâneos: 3
Característica distintiva: Primeiro computador pessoal multitarefa e multiutilizador do mundo.
Antes do império IBM, já havia civilização
Em 1980, quando a IBM ainda não tinha sequer decidido o que fazer no mercado dos microcomputadores, a ICL – International Computers Limited já experimentava algo inaudito: um computador pessoal que podia ser usado por várias pessoas em simultâneo.
Chamava-se ICL PC 2 e corria um sistema operativo revolucionário — o MP/M-85 —, capaz de gerir tarefas múltiplas, processos independentes e acessos concorrentes ao disco e à consola.
Tudo isto, note-se, com apenas 64 KB de memória RAM e um processador Intel 8085A de 8 bits.
Enquanto a indústria americana apostava em máquinas de um único utilizador, a ICL — herdeira da tradição britânica de engenharia e sistemas — construía um micro-mainframe.
Não era um brinquedo para entusiastas: era uma estação profissional, estável, silenciosa e tecnicamente audaz.
Através de portas seriais RS-232, o ICL PC 2 ligava-se a três terminais distintos, e o sistema operativo distribuía os ciclos de CPU entre os utilizadores como um maestro a reger um trio de músicos elétricos.
Gary Kildall e a semente do multitasking
O grande cérebro por detrás deste avanço foi Gary Kildall, criador do CP/M e depois do MP/M — a primeira versão multitarefa para microprocessadores.
O MP/M-85 era, na prática, um UNIX miniaturizado, mas feito para correr em máquinas pessoais.
Com ele, o conceito de time-sharing deixou de ser exclusivo dos grandes mainframes — desceu à secretária, ao mundo real do engenheiro e do programador.
E Portugal, graças à ICL, fez parte dessa vanguarda silenciosa.
1981: a IBM reescreve a história
Um ano depois, em agosto de 1981, a IBM lança o seu IBM PC 5150 com o PC-DOS 1.0, um sistema operativo comprado à pressa à Microsoft — que, por sua vez, o tinha copiado de um clone de CP/M chamado QDOS (“Quick and Dirty Operating System”).
Nada de multitarefa, nada de multiutilizador, nada de inovação técnica.
Apenas marketing agressivo, uma arquitetura aberta e a força de um logótipo lendário.
O resultado foi devastador: a IBM venceu pela estratégia, não pela ciência.
O CP/M e o MP/M foram varridos da história mediática, e as décadas seguintes ensinaram-nos a confundir sucesso comercial com génio técnico.
Assim nasceu o mito: o de que o IBM PC foi o primeiro computador pessoal da história.
O mito e o silêncio
Nos manuais, nas universidades e até nos museus, repete-se o dogma: “O primeiro PC foi o IBM PC, lançado em 1981.”
Mas a verdade é que, quando o IBM PC apareceu, já havia máquinas CP/M e MP/M plenamente operacionais, maduras e até mais sofisticadas.
O ICL PC 2, fabricado e usado em Portugal e no Reino Unido, foi um desses pioneiros esquecidos.
Era pessoal, porque cabia numa secretária.
Era computador, porque podia programar-se em assembler, COBOL e BASIC.
E era multiutilizador, algo que o DOS só viria a imitar muito tempo depois — e de forma rudimentar.
A justiça da memória
Hoje, a história precisa de ser contada como foi: a revolução do computador pessoal não nasceu na América — nasceu do engenho global, e teve raízes europeias profundas.
Em 1980, já existiam máquinas que pensavam em paralelo, muito antes da sigla “PC” se transformar em produto de massa.
O mérito estava no código, na arquitetura e na visão — não na publicidade.
O ICL PC 2 foi um desses milagres discretos: um computador pessoal multiutilizador que antecipou, por décadas, o que hoje chamamos cloud computing.
Portugal teve o privilégio de o ver de perto, através de engenheiros que ousaram sonhar — e programar — para além do óbvio.
“A história tecnológica é escrita pelos vencedores — mas a verdade é preservada pelos que nunca deixaram de pensar.”
— Francisco Gonçalves [ ICL ]
