
Uma Reflexão Pessoal : A Dúvida como uma Dádiva
• Desde criança, recusei narrativas fantásticas sem lógica ou prova.
• A ciência e a filosofia apenas confirmaram as intuições da infância.
• O verdadeiro mistério não é Deus, mas o ser humano que persiste em acreditar.
• Entre dúvida e crença, vive o paradoxo essencial da humanidade.
Nasci a Duvidar
Reflexões de uma vida entre a lógica e a crença
Desde que me conheço, trago comigo uma estranha vacina contra a crença. Não sei se foi destino, acaso genético ou intuição de alma inquieta, mas desde muito pequeno que nunca aceitei de olhos fechados as histórias que me contavam.
Recordo-me, menino, a ouvir as narrativas repetidas: os bebés que vinham no bico da cegonha, o Menino Jesus que aparecia como dádiva divina, a saga de Belém, o Filho de Deus, a vida eterna da alma. Tudo isso me parecia tecido de fantasias frágeis. Não passavam, para o meu pequeno crivo de lógica existencial, de histórias mirabolantes inventadas para adormecer crianças.
Naqueles serões de infância, antes de o sono me levar, eu próprio me perdia em pensamentos maiores do que o meu tamanho: o que é existir e sentir? Porque nascemos e depois morremos? O que é esse nada que nos engole quando deixamos de ser? Não tinha lido filosofia, não conhecia física, nem biologia, nem matemática avançada. Mas a minha mente já congeminava sozinha, com a pureza e a urgência de quem quer arrancar à vida uma explicação.
Mais tarde, os livros confirmaram. A filosofia deu-me palavras para as perguntas. A ciência deu-me métodos e provas. A lógica formal apenas pôs em símbolos aquilo que já intuía por pura necessidade de coerência. Era como se os estudos viessem apenas consolidar o que a criança que fui já suspeitava: que a realidade é dura, que a existência é breve, que não há milagres por trás da cortina.
O que me continua a intrigar, agora com 68 anos de vida, é isto: como é possível que mentes supostamente iguais à minha, depois de estudarem quinze anos ou mais, persistam em acreditar nessas narrativas? Como é possível que a razão, depois de tão treinada, continue a ceder ao conforto da crença?
“O mistério não é Deus. O mistério é o homem que continua a acreditar.”
Aí reside o mistério da humanidade. Não é o milagre da fé, mas a sua persistência em pleno século XXI, mesmo depois de toda a evidência acumulada. Talvez porque a crença responda a medos mais profundos do que a lógica consegue acalmar. Talvez porque oferece consolo onde a ciência é apenas silêncio. Talvez porque dá pertença, ritual e comunidade, enquanto a razão é, tantas vezes, solitária.
Mas ainda assim não consigo deixar de espantar-me. Eu, que desde criança escolhi a dúvida, olho para o mundo e vejo multidões que ainda escolhem a crença. Não porque tenham provas, mas porque têm necessidade. E é aqui que nasce o grande paradoxo humano: entre aqueles que procuram a verdade nua, e aqueles que preferem o manto da ilusão.
Conclusão
O mistério não é transcendente. O mistério é humano. Entre a razão e a fé, entre a dúvida e a crença, dançamos todos no fio da existência. Mas eu, desde menino, escolhi a dúvida. E nela encontrei a minha forma de verdade.
Fragmentos do Caos — 2025
“O menino que sempre duvidou
Havia um menino que não aceitava respostas fáceis.
Enquanto outros sorriam ao ouvir falar de cegonhas e anjos,
ele olhava o céu e perguntava: “Mas como pode ser?”Não era rebeldia.
Era apenas a fidelidade ao espanto,
a recusa em viver de olhos fechados.Cresceu a interrogar o silêncio das noites,
a medir o infinito com a régua da imaginação,
a procurar no nada um sentido maior que as lendas.E assim se fez homem —
não pela fé que herdou,
mas pela dúvida que nunca abandonou.”
– Augustus Veritas

