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A Gestão Hospitalar nas mãos dos políticos

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Box de Factos
• Hospitais E.P.E. criados em 2005 abriram a porta a nomeações governamentais diretas.
• A CReSAP (2011) emitiu pareceres obrigatórios mas não vinculativos, deixando margem à política.
• Em 2011, jornais falavam já em “dança de cadeiras” com a chegada do Governo PSD/CDS.
• Em 2025, polémica reacende-se com nomeações de gestores sem experiência hospitalar.

Gestão Hospitalar em Portugal: entre a técnica e a partidarização

Uma viagem pela história recente

A gestão hospitalar em Portugal é um dos campos onde a política e a técnica se cruzam — muitas vezes em choque frontal. A história dos últimos vinte anos mostra-nos como a promessa de profissionalização esbarrou repetidamente na prática de nomeações partidárias, deixando marcas visíveis na governação do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

O nascimento das E.P.E. e a porta aberta à política

Em 2005, com a criação dos hospitais E.P.E. (Entidades Públicas Empresariais), inaugurou-se um novo modelo de governação. A ideia era clara: dar autonomia de gestão, responsabilizar equipas e aproximar práticas de administração empresarial à saúde pública.

Mas o diabo estava nos detalhes: os Conselhos de Administração eram nomeados por despachos governamentais ou resoluções do Conselho de Ministros. A lei previa requisitos de experiência e qualificações, mas não impunha concursos abertos nem pareceres vinculativos. Assim, a porta da partidarização ficava escancarada.

2011: dança de cadeiras e a CReSAP que não resolveu tudo

Com a chegada do Governo PSD/CDS em 2011, assistiu-se ao que o Diário de Notícias chamou de uma verdadeira “dança de cadeiras”: administrações hospitalares ligadas ao ciclo anterior foram substituídas por equipas alinhadas com a nova maioria.

Nesse mesmo ano nasceu a CReSAP (Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública). Tratava-se de um passo para reforçar a transparência, obrigando a emitir pareceres sobre nomeações. Contudo, havia duas fragilidades decisivas:
1. O parecer era apenas obrigatório, mas não vinculativo.
2. Nem todos os cargos hospitalares estavam sob a alçada da comissão.

O resultado: alguma filtragem, mas pouca capacidade de travar escolhas de cariz político.

Tribunais e associações a soar o alarme

O Tribunal de Contas, em sucessivos relatórios, alertou para a necessidade de profissionalizar a governação hospitalar e impor práticas de bom governo nas E.P.E. A própria Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares ecoou críticas ao fenómeno recorrente de nomeações políticas, lembrando que gerir hospitais exige competências técnicas, não apenas confiança partidária.

2011–2015: governos PSD/CDS

Entre 2011 e 2015, as nomeações sucederam-se em bloco: Centro Hospitalar do Porto, Leiria-Pombal, Barreiro-Montijo, Cova da Beira, Algarve, Lisboa Norte — sempre por despacho conjunto ou resolução ministerial.

Em muitos casos, as sinopses curriculares anexadas ao Diário da República mostravam percursos respeitáveis, mas nem sempre ligados à gestão hospitalar. Havia administradores vindos da academia, de outros setores públicos, da política local ou até da medicina sem experiência prévia de administração.

Este quadro não foi exclusivo do PSD/CDS, mas o período confirmou o padrão: a alternância partidária traduziu-se numa alternância de gestores.

A década seguinte: managerialismo e persistência

Estudos académicos publicados entre 2013 e 2019 falam de “managerialismo” no SNS: importação de modelos empresariais, mas sempre filtrados pela lógica da máquina partidária. A CReSAP serviu como mecanismo de avaliação, mas sem força real para travar nomeações políticas.

Na prática, cada mudança de governo significava novas administrações, novos programas de gestão, novas prioridades — muitas vezes interrompendo processos de reforma antes de amadurecerem.

2024–2025: os casos mais evidentes

Com o atual Governo PSD, a discussão reacendeu-se com intensidade. As nomeações de presidentes de ULS (Unidades Locais de Saúde) tornaram-se caso mediático:
Um geógrafo em Castelo Branco,
Um médico de família sem experiência em gestão hospitalar em Leiria,
Um economista académico na Cova da Beira.

Todos com currículos válidos em termos académicos ou profissionais, mas sem historial em gestão hospitalar. As críticas choveram da Associação de Administradores Hospitalares, da FNAM e de partidos da oposição. A ministra da Saúde negou que houvesse “mão do PSD”, mas a imprensa contabilizou vários militantes sociais-democratas entre os nomeados.

Conclusão: um problema estrutural

A politização das administrações hospitalares não nasceu em 2025. É um problema estrutural, presente desde a criação dos hospitais E.P.E., reforçado pela fragilidade da CReSAP e pela tradição de ver os hospitais como territórios de influência política.

O PSD surge hoje no centro da polémica porque governa — mas a verdade é que este vício atravessa maiorias e épocas. O preço é pago em instabilidade, descontinuidade de políticas e desconfiança de profissionais e cidadãos.

Portugal continua a oscilar entre a promessa de gestão técnica e a realidade de nomeações partidárias. E enquanto não se fechar a porta à interferência política, o SNS permanecerá vulnerável — não apenas nas urgências e nas listas de espera, mas na própria governação que deveria ser sólida, competente e livre de clientelismo.

Escrito por Francisco Gonçalves em coautoria com Augustus Veritas (Lumen)
Fragmentos do Caos — 2025
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Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

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