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Quando a Constituição é só um “palpite”

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Há frases que definem épocas, e há outras que as enterram. A de um vice-presidente do Tribunal Constitucional admitir que a sua votação contra a lei dos vistos para estrangeiros se deveu a “considerações pessoais” é do segundo tipo: uma pedra tumular na confiança dos cidadãos nas instituições.

O Tribunal Constitucional não é um café onde se comentam as notícias ao sabor da espuma do cappuccino. É — ou deveria ser — o último bastião da lei. Um lugar onde as palavras “pessoalmente acho” não têm valor jurídico, tal como um médico não pode receitar “porque me parece que vai funcionar” sem base científica.
Mas aqui estamos: um juiz constitucional a confessar que, perante a Constituição, trouxe o coração e deixou o Código em casa.

A porta escancarada para tudo

Se é legítimo decidir por “considerações pessoais”, então também é legítimo:

  • Considerar pessoalmente que um amigo merece absolvição.
  • Considerar pessoalmente que um adversário político precisa de uma lição.
  • Considerar pessoalmente que um envelope com notas é mais convincente que um argumento jurídico.

E assim, com um simples “foi a minha convicção”, pode justificar-se do favoritismo ao suborno. A lei transforma-se num casaco: cada juiz veste o que lhe apetecer naquele dia.

A sátira que se escreve sozinha

Imaginemos o anúncio:

“Tribunal Constitucional procura novos juízes. Requisitos: forte sentido de opinião própria, desprezo saudável pela letra da lei e boa rede de contactos. Experiência em cafés políticos valorizada.”

Parece exagero, mas quando a própria autoridade suprema da Constituição se permite invocar o subjetivismo como critério de decisão, a sátira já não é invenção — é reportagem.

O perigo de normalizar o anormal

Há quem diga que este episódio é apenas uma “má escolha de palavras”. Não. É uma escolha que revela a mentalidade. A ideia de que o juiz é, acima de tudo, um indivíduo com gostos e simpatias, e não um intérprete rigoroso da lei. É o caminho perfeito para transformar o Tribunal Constitucional num clube privado de opiniões bem remuneradas.

E, no dia em que aceitarmos isso como normal, a Constituição deixa de ser a nossa defesa e passa a ser um pano decorativo numa sala de decisões pessoais.


Artigo de Francisco Gonçalves in Fragmentos de Caos

Em Portugal a democracia está em risco.
Não por inimigos externos, mas porque os guardiões da sua liberdade estão a dormir… ou a servir outras causas.
E nós, cidadãos, não podemos ser cúmplices pela omissão.

Porque quando a democracia cai, nunca o faz de repente — ela vai-se desvanecendo, enquanto muitos dizem:

“Está tudo bem. É só mais uma decisão pessoal.”

  • Francisco Gonçalves

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Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

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