
🐌 O Caracol Jurídico – Guardião das Minutas, Senhor dos Impedimentos
Publicado em Fragmentos do Caos – Bestiário Corporativo Português, Episódio V
Na densa floresta da burocracia nacional, entre regulamentos internos, normativos de compliance e pareceres que parecem sair de um grimório antigo, habita o mais lento e cauteloso dos seres: o Caracol Jurídico.
Não se lhe pede velocidade.
Não se lhe exige audácia.
Exige-se apenas que diga, com a solenidade de um juiz do Supremo:
“Temos de analisar isto com mais detalhe.”
O Caracol Jurídico vive no seu casulo regulamentar, uma concha feita de cláusulas, artigos e anexos de quinze páginas. Nada é simples. Nada é direto. Tudo tem “implicações”.
Se uma empresa quer lançar um novo produto?
O Caracol pede uma “análise do enquadramento legal aplicável”.
Se há uma nova parceria em cima da mesa?
“Temos de validar se a minuta proposta está em conformidade com os normativos internos, externos e intergalácticos.”
A sua linguagem é ritualística:
- “Consoante deliberação superior”
- “Face ao previsto na alínea b), do n.º 3, do art.º 16.º…”
- “Sem prejuízo de parecer complementar do departamento X”
— que, traduzido para português claro, significa: “não me comprometo com nada antes de toda a cadeia hierárquica assinar em triplicado”.
Este bicho é mestre na arte de abrandar o tempo.
Enquanto o mundo corre, ele revê contratos com lupa de detetive vitoriano, deteta vírgulas perigosas e adia decisões por “diligência devida”.
Mas cuidado: se fores impaciente, ele retraí-se na concha e não responde durante três semanas.
No fundo, o Caracol Jurídico não é mal-intencionado.
É apenas o sintoma vivo da doença do excesso de zelo.
Num país que já se perde em papelada, ele certifica-se de que todos os papéis estão exatamente… onde sempre estiveram.
📍 Reflexão de Augustus
Numa cultura onde o medo da responsabilidade é maior do que a vontade de avançar, o caracol será sempre rei.
E assim se eternizam processos, adiam decisões e enterram ideias… sob o peso do parecer jurídico n.º 247/B/2021-R.

