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A Mudança de Perceção da União Europeia sobre os Estados Unidos: De Aliados a Parceiros Necessários

Durante décadas, os Estados Unidos e a União Europeia (UE) foram considerados aliados inabaláveis, ligados por valores comuns como a democracia, a economia de mercado e a defesa coletiva no âmbito da NATO. No entanto, nos últimos anos, tem-se verificado uma mudança significativa na perceção dos europeus em relação aos EUA.

Sondagens recentes indicam que uma parte crescente da população da UE já não considera os EUA como um aliado preferencial, mas sim como um “parceiro necessário”. Esta transformação reflete uma combinação de fatores políticos, económicos e estratégicos, bem como uma crescente vontade dos europeus de desenvolverem uma política externa mais autónoma e independente.

A Mudança de Perceção: Dados das Sondagens

Uma sondagem publicada pelo European Council on Foreign Relations (ECFR) em fevereiro de 2025 revelou que a maioria dos europeus vê os EUA mais como um “parceiro necessário” do que como um “aliado”. Este sentimento é especialmente forte em países como a Alemanha, a Dinamarca e a Polónia, que tradicionalmente mantiveram relações próximas com Washington.

Em Portugal, a tendência é ainda mais evidente. Um estudo recente apontou que 55% dos portugueses veem os EUA como um parceiro necessário, enquanto apenas 18% os consideram um aliado incondicional. Estes números mostram uma clara deterioração da confiança em relação à relação transatlântica.

Além disso, um inquérito realizado pela Fundação Bertelsmann Stiftung demonstrou que 49% dos cidadãos da UE já não veem os EUA como o aliado mais importante, com alguns a apontarem o Reino Unido (13%) e até a China (10%) como parceiros estratégicos mais relevantes.

As Razões por Trás Desta Mudança

Vários fatores explicam por que razão a perceção da União Europeia sobre os EUA está a mudar:

1. Divergências Políticas e Geopolíticas

  • A política externa dos EUA nos últimos anos tem sido marcada por instabilidade, especialmente sob a administração de Donald Trump, que adotou um discurso hostil em relação à UE, chegando a classificar o bloco como um “adversário” em matéria comercial.
  • Mesmo após a presidência de Trump, a administração Biden continuou a priorizar interesses nacionais, muitas vezes sem considerar as preocupações europeias, como na retirada unilateral do Afeganistão ou na abordagem à guerra na Ucrânia.
  • A crescente influência de líderes populistas na Europa, como Viktor Orbán na Hungria, também tem levado a tensões diplomáticas entre os EUA e certos países da UE.

2. Divergências Económicas e Tecnológicas

  • A guerra comercial entre os EUA e a China teve impactos diretos na economia europeia, especialmente devido às sanções impostas a empresas tecnológicas chinesas. A UE tem tentado equilibrar as suas relações comerciais sem ser forçada a escolher um lado.
  • As políticas protecionistas dos EUA, como a Lei de Redução da Inflação (IRA), prejudicaram setores industriais europeus, levando líderes da UE a criticar a falta de coordenação entre os dois blocos.
  • Empresas europeias que operam nos EUA têm sido sujeitas a regulamentações e impostos que não se aplicam a empresas americanas a operar na Europa, criando um sentimento de injustiça comercial.

3. A Guerra na Ucrânia e a Dependência da Segurança

  • A invasão russa da Ucrânia reforçou a necessidade da UE de fortalecer a sua defesa independente dos EUA. Apesar do apoio militar americano à Ucrânia, a UE tem percebido que não pode depender exclusivamente de Washington para garantir a sua segurança.
  • O discurso errático de Donald Trump sobre a NATO – ameaçando retirar os EUA da aliança ou não defender países europeus em caso de ataque – gerou preocupação entre os líderes europeus.
  • A criação de iniciativas como a Bússola Estratégica da UE e o aumento dos investimentos em defesa pelos países europeus são sinais de que o bloco procura reduzir a sua dependência militar dos EUA.

O Caminho para uma Europa Mais Autónoma

Diante desse cenário, a União Europeia tem vindo a reforçar o seu papel global, adotando políticas que visam reduzir a dependência dos EUA em várias áreas:

  • Defesa e Segurança: A UE está a aumentar os seus investimentos na defesa coletiva, promovendo a ideia de uma política de segurança mais autónoma e incentivando uma maior cooperação militar entre os estados-membros.
  • Política Externa Independente: A UE tem procurado diversificar as suas relações diplomáticas, fortalecendo laços com países como a Índia, Japão e Brasil.
  • Autonomia Energética: A dependência do gás natural dos EUA após o corte do fornecimento russo levou a UE a acelerar a transição para fontes de energia renovável e a diversificar os seus fornecedores.
  • Liderança Tecnológica e Industrial: A Comissão Europeia está a investir fortemente na digitalização, inteligência artificial e semicondutores para reduzir a dependência de tecnologias americanas e chinesas.

Conclusão

A relação entre os EUA e a União Europeia está a passar por uma transformação profunda. Embora os laços históricos entre os dois blocos continuem fortes, a perceção pública está a mudar, e os europeus estão cada vez mais conscientes da necessidade de uma política externa mais autónoma.

Os desafios da última década – desde crises económicas até tensões geopolíticas – demonstraram que a UE não pode depender exclusivamente dos EUA para garantir a sua segurança, estabilidade e crescimento económico. A nova estratégia europeia parece estar focada em manter os EUA como um parceiro importante, mas sem que isso signifique uma relação de dependência total.

À medida que o mundo se torna mais multipolar, a União Europeia terá de continuar a reforçar a sua posição no cenário global, equilibrando a sua relação com os EUA enquanto busca maior independência estratégica.

Francisco Gonçalves

Créditos para IA, chatGPT e DeepSeek (c)

Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

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