
Estudo sobre Impacto dos Resgates Bancários em Portugal (2008–2025)
Introdução
Nos últimos vinte anos, Portugal assistiu ao colapso de vários bancos que, apesar de privados, foram salvos com dinheiro público. Da nacionalização escandalosa do BPN à longa agonia do BES transformado em Novo Banco, passando pela liquidação silenciosa do Banif e pelas injeções multimilionárias na CGD, os contribuintes suportaram uma fatura pesada — mais de 22 mil milhões de euros até 2025. Este estudo reúne os números, os protagonistas e os prejuízos de um sistema que socializa perdas e privatiza benefícios. Uma radiografia necessária a uma das maiores transferências de riqueza da história recente do país.
A INVESTIGAÇÃO
Desde a crise financeira de 2008, o Estado português foi obrigado a intervir em vários bancos através de nacionalizações, resgates ou recapitalizações, para prevenir o colapso do sistema financeiro. Essas intervenções tiveram um custo elevado para os contribuintes, estimado em mais de €22 mil milhões até 2021. Abaixo detalham-se os casos dos principais bancos intervencionados – Banco Português de Negócios (BPN), Banco Espírito Santo/Novo Banco (BES/NB), Banco Internacional do Funchal (Banif), Caixa Geral de Depósitos (CGD) e Banco Privado Português (BPP) – incluindo os montantes públicos envolvidos, o custo líquido após recuperações, os grandes devedores que estiveram na origem dos prejuízos e as fontes oficiais destes dados. No final, apresenta-se um quadro-resumo com os valores principais por banco.
Banco Português de Negócios (BPN)
Intervenção: O BPN foi nacionalizado em novembro de 2008 após se revelarem fraudes e perdas escondidas que ameaçavam a sua sobrevivência. Foi a primeira nacionalização bancária em Portugal desde 1975, justificada pelo risco sistémico que um colapso do BPN poderia causar. A gestão transitou para a Caixa Geral de Depósitos e, em 2011, optou-se pela reprivatização parcial: em março de 2012, o BPN (já expurgado de muitos ativos tóxicos) foi vendido ao Banco BIC por apenas €40 milhões, com o Estado a garantir ainda a cobertura de encargos futuros do banco vendido. Os ativos problemáticos permaneceram no Estado, agrupados em três veículos: Parvalorem, Parups e Parparticipadas, criados em 2010 para gerir a carteira de créditos incobráveis, imóveis e participações do antigo BPN.
Dinheiro público injectado: Desde 2008, o Estado teve de suportar sucessivas perdas do BPN. Segundo o Tribunal de Contas, até final de 2018 o custo orçamental acumulado com a nacionalização, reprivatização e operação dos veículos do BPN atingiu €4.924 milhões. E o valor não parou de subir: só em 2018 registaram-se €829 milhões de novas perdas e em 2017 mais €437 milhões. Adicionalmente, no final de 2018 os veículos Parvalorem/Parups/Parparticipadas tinham capital próprio negativo de €1.028 milhões, prevendo-se que essa diferença venha a ser também suportada pelo Estado. Somando os encargos já suportados e as perdas potenciais futuras, o Tribunal de Contas projetava um custo total de €5.952 milhões com o BPN (sem contar resultados negativos posteriores a 2018). De facto, em 2023 o Instituto Nacional de Estatística reconheceu €915,9 milhões de perdas adicionais em créditos incobráveis da Parvalorem, aumentando ainda mais a fatura para os contribuintes. Ou seja, o BPN já custou efetivamente cerca de €6 mil milhões aos contribuintes, podendo atingir perto de €7 mil milhões no final do processo.
Recuperações e custo líquido: A recuperação de valores pelo Estado tem sido quase nula. A venda do BPN ao BIC rendeu €40 milhões, valor irrisório face aos milhares de milhões de encargos. Alguns ativos foram vendidos pelos veículos (por exemplo, imóveis, obras de arte como a coleção Miró, etc.), mas serviram apenas para reduzir marginalmente as garantias públicas e atrasar novas perdas. Todos os anos, o Orçamento do Estado contempla dotações para cobrir prejuízos da Parvalorem e associadas – por exemplo, €560 milhões em 2018, €641 milhões em 2017, e ainda €199 milhões previstos no OE2025 para continuar a financiar os restos do BPN e do Banif. Assim, o custo líquido para os contribuintes aproxima-se do total injetado, rondando 5 a 6 mil milhões de euros (dependendo das perdas finais a apurar), já que as recuperações de ativos foram muito limitadas.
Grandes devedores e causas do colapso: O colapso do BPN deveu-se a gestão fraudulenta e créditos ruinósos concedidos a empresas do próprio grupo e figuras ligadas ao banco. Uma lista divulgada em 2012 mostrava que os 500 maiores clientes do BPN deixaram de pagar as suas dívidas, destacando-se empresas e offshores do grupo SLN (Sociedade Lusa de Negócios, dona do BPN) criado por José Oliveira e Costa. Entre os maiores devedores individuais figuram nomes ligados ao círculo do BPN e do poder político da época: o próprio Oliveira e Costa (ex-presidente do BPN, posteriormente condenado), o ex-ministro Arlindo de Carvalho, o advogado Joaquim Coimbra, o ex-deputado Duarte Lima (envolvido no financiamento ilícito de um projeto imobiliário – fundo Homeland – com €50 milhões de crédito BPN) e Fernando Fantasia e Emídio Catum (empresários próximos do universo SLN). Os 10 maiores devedores do BPN incluíam várias sociedades instrumentais ligadas à SLN, muitas sediadas em offshores, com dívidas astronómicas: por exemplo, a Pluripar (€135 milhões), a Solrac Finance (€116 M), a Labicer (€82 M) e a Cimentos Nacionais e Estrangeiros (CNE) (€82 M) – todas elas empresas do grupo SLN – além de outras empresas de Fantasia/Catum (Domurbanis, Paprefu) com dezenas de milhões em dívida. Também foram identificados esquemas como a **compra de 41 quadros de Miró através da offshore Zevin (dívida de €43 M)】 e uma teia de financiamentos cruzados dentro do grupo que resultaram em perdas para o banco. Em suma, fraudes contabilísticas, gestão dolosa e empréstimos concedidos sem garantias a insiders explicam a pesada fatura deixada pelo BPN.
Banco Espírito Santo (BES) e Novo Banco
Intervenção: O Banco Espírito Santo (BES), um dos maiores bancos privados portugueses, colapsou em agosto de 2014 na sequência de divulgações de fraude e insolvência nas empresas do Grupo Espírito Santo (GES) – o conglomerado familiar acionista do BES. A 3 de agosto de 2014, o Banco de Portugal aplicou uma medida de resolução: os acionistas foram desapossados, o BES foi dividido num “banco mau” (que reteve os ativos tóxicos) e num banco de transição chamado Novo Banco (NB), para onde foram transferidos os ativos considerados “bons” e a generalidade da atividade bancária do BES. O objetivo era salvar os depósitos e partes sãs do banco, evitando um colapso sistémico. O Novo Banco iniciou atividade em 4 de agosto de 2014, com capital social assegurado pelo Fundo de Resolução. Como banco de transição, o NB seria temporário e destinado a venda. De facto, após várias tentativas falhadas de venda em 2014-2015, o NB acabou por ser vendido em outubro de 2017: 75% do capital foi adquirido pelo fundo norte-americano Lone Star (por €1 simbólico, acompanhado de injeções de capital privadas de €1.000 milhões), mantendo o Fundo de Resolução 25% do capital. A venda incluiu, porém, um Mecanismo de Capital Contingente: o Fundo de Resolução comprometeu-se a cobrir perdas futuras do NB em determinados ativos “tóxicos” herdados do BES, até um limite de €3.890 milhões. Este mecanismo levou a várias injecções de capital entre 2018 e 2020, prolongando os custos públicos com este caso.
Dinheiro público injectado: Na prática, a resolução do BES implicou financiamento público massivo através do Fundo de Resolução (FdR). Inicialmente, em agosto de 2014, o FdR foi chamado a capitalizar o Novo Banco com €4.900 milhões. Desse montante, €3.900 milhões foram emprestados pelo Estado ao Fundo de Resolução (a juros simbólicos e prazo alargado), e cerca de €1.000 milhões foram adiantados pelos outros bancos participantes do Fundo. Esta primeira injeção cobriu o capital inicial do NB. Após a venda ao Lone Star (2017), ativou-se o mecanismo contingente: entre 2017 e 2020, o Novo Banco registou perdas de mais de €4.000 milhões em ativos herdados do BES, o que levou o Fundo de Resolução a realizar injeções adicionais de €3.405 milhões no NB até 2020. Em 2020, por exemplo, o Estado (via FdR) injetou €1.035 milhões no Novo Banco. No total, até final de 2021 as ajudas públicas ao BES/Novo Banco somavam cerca de €8,3 mil milhões. Esse valor inclui o empréstimo estatal de 2014 (não ainda reembolsado) e as sucessivas chamadas de capital contingente após 2017. Já em 2023, contando decisões arbitrais recentes, estima-se que a fatura total do Fundo de Resolução com o Novo Banco atinja €8.490 milhões (praticamente o teto máximo acordado). Importa referir que, por enquanto, estes montantes foram suportados pelo Fundo de Resolução, o qual é formalmente financiado pelos bancos – mas com recurso a avultados empréstimos públicos que terão de ser pagos ao longo de décadas. Segundo o acordado, o Fundo de Resolução pagará os empréstimos ao Estado (e a bancos credores) até 2060–2062, usando as contribuições anuais da banca. Na prática, porém, enquanto esses empréstimos não forem liquidados, é o Erário público que suporta o encargo.
Recuperações e custo líquido: Ao contrário de outros casos, o BES/Novo Banco teve alguma expectativa de recuperação no longo prazo, dado que os bancos do sistema estão obrigados a repor os fundos públicos usados. No imediato, porém, o custo líquido para os contribuintes é muito elevado. Até 2021, o saldo negativo para o Estado nas intervenções BES/NB era de €8,3 mil milhões. A venda do Novo Banco à Lone Star não trouxe receita direta (foi praticamente gratuita) e ainda implicou o compromisso de cobertura de perdas pelo Estado. Apenas no futuro, se o Fundo de Resolução conseguir reembolsar integralmente os empréstimos (algo incerto, prolongado até 2060+), é que parte deste custo poderá ser recuperada – mas ao custo de décadas de juros baixos suportados pelo Tesouro. Assim, pode-se considerar que a fatura suportada pelos contribuintes ronda os €8–8,5 mil milhões, sem contar eventuais recuperações futuras. Este valor representa mais de 25% do total de apoios públicos ao setor financeiro desde 2008, sendo de longe o maior encargo individual. Note-se que o BES “mau” permaneceu em liquidação com alguns ativos residuais, mas os credores desse BES insolvente (obrigacionistas subordinados e outros) dificilmente terão recuperações significativas – não beneficiando o Estado.
Grandes devedores e causas do colapso: A queda do BES deveu-se sobretudo a exposições gigantescas a entidades do próprio Grupo Espírito Santo e a outros devedores de risco durante a gestão de Ricardo Salgado. Uma auditoria e uma comissão parlamentar revelaram que, à data da resolução, os 21 maiores devedores do BES/Novo Banco acumulavam €6,6 mil milhões de dívida (grande parte já incobrável). No topo da lista estava o Grupo José de Mello (dívida inicial de €945 milhões), seguido da holding Ongoing de Nuno Vasconcellos (≈€606 milhões). Mais de metade deste crédito total concentrava-se em empresas de construção e imobiliário próximas do BES: por exemplo, o Grupo Lena (irmãos Barroca), a Obriverca (de Eduardo Rodrigues), a Temple (de Vasco Pereira Coutinho) e a Promovalor (grupo do empresário Luís Filipe Vieira, ligado ao futebol). Entre os maiores devedores constavam ainda figuras mediáticas como Joe Berardo (empresário cuja fundação tinha €327,7 milhões em dívida ao Novo Banco, parte de um total perto de €1.000 milhões de créditos envolvendo também CGD e BCP) e o construtor José Guilherme (com exposição de €250+ milhões, dos quais €82 milhões já em perdas no NB) – este último notório por ter presenteado Ricardo Salgado com €14 milhões, indício de conluio. Outro caso ruinso foi o do BES Angola (BESA): o BES tinha financiado a sua filial em Angola em milhares de milhões de dólares sem garantias suficientes; esses créditos foram maioritariamente perdidos, acabando o governo angolano por intervir separadamente. No Novo Banco, após 2014, verificou-se que muitos destes grandes devedores não pagaram e tiveram de ser reconhecidas imparidades (perdas) elevadíssimas. A Deloitte apurou que mais de €2.000 milhões das perdas do NB (2014–2018) resultaram de “créditos ruinosos” concedidos no tempo do BES. Exemplo simbólico: um pacote de empréstimos problemáticos com valor nominal acima de €1.000 milhões (incluindo Ongoing, Prebuild, grupos Tiner e Tricos, etc.) recebeu ofertas de compra por apenas €20 milhões – reflexo da quase total irrecuperabilidade desses créditos. O Fundo de Resolução travou essa venda a preço de saldo, esperando melhorar a recuperação, mas na prática empresas como a Ongoing e a Prebuild acabaram insolventes, e o NB dificilmente recuperará algo significativo. Em suma, a “doença” do BES passou para o Novo Banco – ativos maus (muitos sobrevalorizados no balanço do BES) migraram para o NB e continuaram a gerar perdas, deixando uma conta pesada a cargo do setor público.
Banco Internacional do Funchal (Banif)
Intervenção: O Banif, fundado na Madeira e então o 7º maior banco português, enfrentou dificuldades após 2010. Em 2013, no contexto do programa da troika, o Estado injetou €700 milhões no Banif (tomando 60% do capital) e concedeu €400 milhões em empréstimos convertíveis (CoCo bonds) para o recapitalizar. No entanto, o banco não se reestruturou com sucesso nem encontrou investidor privado, permanecendo fragilizado. Em finais de 2015, sob pressão do Banco Central Europeu (que ameaçava cortar financiamento) e da Comissão Europeia, foi decidida a resolução do Banif. A 20 de dezembro de 2015, o Banco de Portugal anunciou a venda de parte das operações do Banif ao Banco Santander Totta por €150 milhões, integrada numa medida de resolução. Tal como no BES, foi transferida a “parte boa” (depósitos, créditos saudáveis, rede de balcões) para o Santander, e os ativos problemáticos ficaram num veículo de gestão de ativos (Oitante, S.A.) criado para o efeito. Nesta operação, o Estado teve de assegurar um apoio público de €2.255 milhões para cobrir perdas e garantir a venda ao Santander. Desse montante, €1.766 milhões saíram diretamente do Tesouro e €489 milhões via Fundo de Resolução (este último financiado por um empréstimo obrigacionista do próprio Santander, garantido pelo Estado). Em suma, a resolução do Banif envolveu de imediato cerca de €2,25 mil milhões de fundos públicos, além da injeção de €700 milhões feita em 2013.
Dinheiro público injectado: Somando as intervenções, o Banif implicou aproximadamente €2,95 mil milhões de dinheiros públicos (700 + 2.255). Parte deste valor corresponde a garantias e capital que teoricamente poderiam ser recuperados, mas na prática a maior parcela foi perda efetiva. O Tribunal de Contas calculou que, até final de 2021, o custo suportado pelos contribuintes com o Banif ascendia a perto de €3 mil milhões. Este valor inclui a injeção inicial de 2013 (não recuperada) e os fundos públicos colocados na resolução de 2015. O veículo Oitante ficou com os ativos “tóxicos” do Banif (imóveis e créditos depreciados) e tem apresentado pequenos lucros anuais, tendo inclusive já reembolsado empréstimos e pago cerca de €55 milhões ao Fundo de Resolução em 2022. Contudo, isso não altera substancialmente o quadro: todos os anos o OE tem destinado verbas de dezenas de milhões para a Oitante e outras entidades remanescentes do Banif (por exemplo, €95,7 milhões no OE2024, entre Oitante e antigas sociedades Banif). Assim, o custo líquido para os contribuintes com o Banif permanece na ordem dos €3 mil milhões, dado que a venda ao Santander foi por valor simbólico e os ativos recuperados pela Oitante apenas cobrem marginalmente o que o Estado continua a injectar para manter esse veículo operacional.
Grandes devedores e causas do colapso: O caso Banif teve contornos diferentes dos anteriores. As causas da sua derrocada incluíram acumulação de créditos malparados, sobretudo no segmento empresarial e imobiliário, e problemas de governação. O banco era muito exposto à economia dos Açores e Madeira (de onde era originário) e sofreu com a recessão pós-2011. Embora não tão mediatizado, também aqui existiram grandes devedores incumpridores. Informações divulgadas posteriormente indicaram, por exemplo, que ainda havia €143 milhões por recuperar dos “despojos” do Banif em 2024. Entre os ativos problemáticos transferidos para a Oitante estavam créditos associados a empreendimentos imobiliários que o Santander recusou comprar. Houve referência a grupos económicos regionais que ficaram insolventes, mas poucos nomes vieram a público. O Banif chegou a financiar expansões internacionais e projetos imobiliários que correram mal; e a sua queda foi precipitada também por um escândalo mediático em 2015 (uma reportagem televisiva sobre a situação do banco desencadeou fuga de depósitos). Resumindo, maus empréstimos e falhas de supervisão levaram ao fim do Banif, com o Estado a arcar com as perdas. (Uma Comissão Parlamentar de Inquérito ao Banif em 2016 investigou estes contornos e criticou tanto a gestão do banco como a atuação tardia das autoridades, recomendando apuramento de responsabilidades.)
Caixa Geral de Depósitos (CGD)
Intervenção: A Caixa Geral de Depósitos, sendo um banco público, teve uma trajetória distinta: nunca faliu nem foi alvo de resolução, mas precisou de várias recapitalizações com dinheiros públicos para fazer face a perdas e reforçar rácios. Entre 2008 e 2012, a CGD realizou quatro aumentos de capital por parte do Estado, num total de €2.700 milhões. Adicionalmente, em 2012 o Estado emprestou €900 milhões à CGD via obrigações convertíveis (os chamados CoCos), montante que a Caixa não conseguiu reembolsar integralmente – tendo esses €900 M (mais €45 M de juros vencidos) sido convertidos em capital em 2017. A situação agravou-se após a crise: a CGD acumulou imparidades (provisões para crédito malparado) superiores a €3.000 milhões, revelando a necessidade de uma recapitalização ainda maior. Em 2017, já fora do programa troika, o governo acordou com a UE um plano de recapitalização da CGD envolvendo €4.000 milhões: o Estado injetou €2.500 milhões em dinheiro fresco e transferiu para a CGD ativos (participações) no valor de ~€500 milhões; além disso, foram convertidos os €900 M de CoCos restantes e emitidos €1.000 milhões em obrigações subscritas por investidores privados. No total, a operação de 2017 mobilizou cerca de €3.944 milhões em recursos públicos (dos quais €2,5 mM em capital direto). Em troca, a CGD implementou um plano de reestruturação (fecho de balcões, redução de efetivos) e passou a ser supervisionada de perto para melhorar a gestão.
Dinheiro público injectado: Somando todos os apoios desde 2008, a CGD recebeu cerca de €5,7 mil milhões em capital do Estado. Este valor inclui os €2,7 mM de 2008–2012, o empréstimo CoCo €0,9 mM (convertido) e os €2,5 mM de 2017, entre outros ajustes. O Tribunal de Contas apontou um saldo negativo de €5.458 milhões para o Estado nas operações com a CGD (até 2021). Ao contrário dos outros bancos, porém, a CGD permanece estatal e viável – ou seja, as injeções são consideradas um investimento do acionista Estado. Por isso, há a expectativa de recuperar valor através de dividendos e eventuais vendas de ativos. De fato, a CGD voltou aos lucros a partir de 2018 e retomou a distribuição de dividendos ao Estado. Entre 2019 e 2022, a Caixa entregou centenas de milhões em dividendos, ajudando a “pagar” parte da recapitalização. O objetivo declarado é que pelo menos os €2,5 mil milhões injetados em 2017 em dinheiro sejam devolvidos até 2025 sob forma de dividendos. Assim, o custo líquido efetivo para os contribuintes poderá ser menor se a CGD continuar lucrativa. Ainda assim, até ao momento, considera-se que cerca de €5,5 mil milhões de dinheiros públicos ficaram “empatados” para salvar a CGD, e qualquer recuperação dependerá dos resultados futuros.
Grandes devedores e causas do capital deficitário: A razão para a CGD ter precisado de auxílio reside em créditos de risco muito elevado concedidos entre 2005 e 2010, que redundaram em pesadas perdas. Uma auditoria independente (EY, 2018) identificou 46 operações de crédito ruinosas, totalizando quase €3.000 milhões em potenciais perdas, muitas aprovadas em contexto de influência política e critérios duvidosos. A lista de grandes devedores da CGD tornou-se pública em parte durante a Comissão Parlamentar de Inquérito de 2019. Destacam-se vários casos emblemáticos:
- O Grupo Artlant (projeto de fábrica petroquímica em Sines associado à espanhola La Seda) foi o maior devedor individual, com €351 milhões financiados pela CGD. O projeto faliu (insolvência em 2016), deixando esse prejuízo praticamente total.
- A Fundação Joe Berardo (ligada ao empresário José Berardo) surge como o segundo maior devedor, com €268 milhões emprestados para compra de ações do BCP – investimento que se evaporou na crise, levando a 100% de imparidade. Berardo, que chegou a afirmar no Parlamento “não tenho dívidas, quem tem é a Fundação”, acabou por ser alvo de ações judiciais coordenadas pela CGD, BCP e Novo Banco para recuperar cerca de €1.000 milhões em dívida total. Em 2019, Berardo viria a ser constituído arguido por fraude bancária.
- O resort de luxo Vale do Lobo (Algarve) foi outro fiasco: a CGD liderou um consórcio bancário que financiou os promotores Diogo Gaspar Ferreira e Luís Correa de Barros em mais de €200 milhões. O negócio colapsou com a crise imobiliária e a dívida tornou-se incobrável em grande parte. Vale do Lobo foi apontado como terceiro maior crédito ruinoso na CGD, com perdas de muitas dezenas de milhões (estima-se acima de €100 M só para a Caixa).
- O Grupo Lena (construção civil, ligado a Joaquim Barroca) também está na lista: a CGD emprestou para diversos projetos do grupo, que depois enfrentou dificuldades, causando imparidades significativas.
- Manuel Fino, investidor que detinha a holding Investifino/Finpro, recebeu financiamento da CGD para comprar participações (como ações Cimpor). Com a crise, essas operações deram prejuízo e Fino entrou em incumprimento, contribuindo com largas dezenas de milhões em perdas (o grupo Finpro surge entre os maiores devedores falhados da Caixa).
- Outros devedores notáveis incluem a empresa Birchview (ligada ao investidor angolano Helder Bataglia), o projeto imobiliário Quinta do Lorde (na Madeira), a Optivisão/Optway (rede óticas do GES) e vários fundos de investimento imobiliário financiados pela Caixa. De acordo com dados divulgados, metade dos 25 maiores devedores da CGD acabaram insolventes, e sete deles – incluindo Artlant, Birchview, QDL (Quinta do Lago/Lobo), Fundação Berardo, Investifino, Finpro – causaram conjuntamente perdas na casa dos €1,3 mil milhões antes da recapitalização estatal.
Em resumo, erros de gestão e governance na CGD – concedendo créditos avultados sem garantias sólidas, muitas vezes por motivações político-empresariais – forçaram o Estado, enquanto acionista, a cobrir um enorme buraco financeiro no banco público. A boa notícia é que, diferentemente dos bancos privados, a CGD saneada permanece nas mãos do Estado, gerando agora lucros que mitigam o prejuízo dos contribuintes.
Banco Privado Português (BPP)
Intervenção: O BPP, um pequeno banco de investimento especializado em gestão de fortunas, enfrentou sérios problemas de liquidez em 2008 após o colapso do Lehman Brothers. Para evitar o pânico dos clientes, em dezembro de 2008 o governo português garantiu uma linha de crédito interbancária de €450 milhões ao BPP. Contudo, o BPP nunca recuperou: entrou em insolvência e acabou por perder autorização bancária em 2010, iniciando-se a liquidação. A garantia estatal foi chamada em grande parte, tornando-se encargo para o Estado.
Dinheiro público injectado: Embora não tenha havido uma “nacionalização”, o Estado assumiu riscos financeiros significativos. Segundo o Tribunal de Contas, mais de €268 milhões ainda estavam por recuperar pelo erário público no final de 2021 relacionados com o caso BPP. Esse valor corresponde aos adiantamentos feitos pelo Estado para ressarcir clientes e credores preferenciais. O processo de liquidação do BPP arrasta-se há mais de uma década: ainda existem cerca de 6.000 credores à espera e €700 milhões em ativos por realizar (valor contabilístico). O Estado é credor prioritário na liquidação, tentando reaver o dinheiro desembolsado, mas a recuperação tem sido muito limitada.
Recuperações e custo líquido: Até ao momento, o custo líquido para os contribuintes aproxima-se de €0,3 mil milhões. Se a liquidação do BPP conseguir vender ativos remanescentes, o Estado poderá recuperar alguma parcela – mas dificilmente a totalidade. Na melhor das hipóteses, o caso BPP deverá saldar-se com um pequeno prejuízo ou equilíbrio, comparado aos restantes casos (como nota, a revista Visão em 2017 referia que “o BPP também desapareceu mas, contas feitas, o saldo deve ficar perto de zero”, devido à eventual recuperação de valores). Entretanto, o Estado já arcou com custos judiciais e de gestão na ordem de centenas de milhares de euros no processo.
Grandes devedores: O BPP colapsou principalmente devido a erros de gestão e produtos financeiros de alto risco que correram mal (e não tanto por créditos comerciais como nos outros bancos). Ainda assim, houve alguns nomes envolvidos em créditos problemáticos. O fundador João Rendeiro (falecido em 2022) foi considerado responsável por fraude e desvio de fundos. O BPP tinha concedido empréstimos a clientes VIP para investimentos alavancados; muitos desses empréstimos ficaram por pagar após a falência. Não existe uma “lista de devedores” pública comparável às de outros bancos, mas o processo judicial identificou diversas sociedades veículo e offshores usadas para retirar ativos do BPP. Em suma, os contribuintes tiveram de intervir para garantir os depósitos e impedir um efeito dominó, mas a dimensão do BPP era pequena e o impacto financeiro, apesar de negativo, foi relativamente contido.
Quadro-Resumo dos Custos por Banco (até 2025)
Para uma visão consolidada, o quadro seguinte resume os montantes de dinheiros públicos injetados em cada banco intervencionado e o custo líquido estimado suportado pelos contribuintes (após recuperações ou expectativas de reembolso):
Banco | Intervenção (ano) | Dinheiro público injectado | Custo líquido estimado |
---|---|---|---|
BPN (nacionalizado) | 2008 (venda 2012) | ≈ €5.0 mil milhões (até 2018) *(+ pot. > €1 mil milhões após 2018)* | ~€6,0–6,5 mil milhões (quase total sem retorno) |
BES/Novo Banco (resolução) | 2014 (venda 75% em 2017) | €4,9 mil milhões (2014) + €3,4 mil milhões (2017–2020) Total: ≈ €8,3 mil milhões | ~€8–8,5 mil milhões (a serem suportados pelo setor público, ainda que com reembolso a longo prazo pelo FdR) |
Banif (resolução) | 2015 (venda parcial ao Santander) | €2,25 mil milhões (2015) + €0,7 mil milhões (2013) Total: ≈ €2,95 mil milhões | ~€3,0 mil milhões (quase total perdido; venda rendeu €150 M) |
CGD (recapitalizações) | 2012, 2017 | €2,7 mil milhões (2008–12) + €0,9 mil milhões (CoCos 2012) + €2,5 mil milhões (2017) Total: ≈ €5,7 mil milhões | ~€5,5 mil milhões (Estado acionista único; parte recuperada via dividendos, restante em ativo público) |
BPP (liquidação) | 2008–2010 | €450 milhões (garantia estatal de 2008) (executada parcialmente) | ~€0,3 mil milhões (alguma recuperação possível em liquidação, ainda em curso) |
*Fontes: Tribunal de Contas, Banco de Portugal, relatórios oficiais e comunicação social.*
Referências Oficiais: Os dados apresentados foram obtidos de relatórios do Tribunal de Contas (pareceres sobre a Conta Geral do Estado), comunicados do Banco de Portugal, informações do Ministério das Finanças (e Orçamentos do Estado), bem como das Comissões Parlamentares de Inquérito aos respectivos casos (BPN, BES, Banif, CGD) e auditorias independentes (como a da EY à CGD). Todos os valores e factos estão suportados em fontes públicas, nomeadamente notícias de órgãos de referência que citam esses relatórios oficiais.
Investigação a cargo de Augustus Veritas e OpenAI [AI].
Claro, aqui está um excerto sintético que podes usar para divulgação ou introdução ao estudo completo:
Excerto – O Peso Silencioso da Banca: A Herança que os Contribuintes Suportam
“Entre fraudes, má gestão e promessas de estabilidade, os contribuintes portugueses pagaram, entre 2008 e 2025, mais de 22 mil milhões de euros para resgatar bancos em colapso. O caso BPN, um buraco de corrupção e favores, custou cerca de 6 mil milhões ao erário público. O colapso do BES deu origem ao Novo Banco, onde os portugueses já injetaram mais de 8 mil milhões — com promessas de reembolso que se arrastam até 2060. O Banif desapareceu em silêncio, mas deixou uma fatura de 3 mil milhões. A CGD, embora pública e lucrativa nos últimos anos, exigiu mais de 5,5 mil milhões em recapitalizações para cobrir o passado. Esta história de resgates, falências e dívidas incobráveis envolve nomes conhecidos, empresas falidas, e milhões evaporados — quase sempre sem responsáveis atrás das grades.”
Este estudo / artigo pretende acender uma vela num túnel sombrio. ✨
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E sempre que envergamos a tocha da verdade e da luz, estas incomodam os que vivem do nevoeiro.
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