
“Corruptos, Mas Com Obra: O Evangelho Segundo o Povo Amnésico”
“Dai-nos hoje o nosso betão de cada dia, e perdoai-nos as nossas vigarices, assim como perdoamos aos nossos líderes larápios.”
(Evangelho segundo São Isaltino, capítulo das rotundas)
Portugal, esse pequeno retângulo à beira-mar plantado e de memória afundada, chega aos 50 anos de “democracia” como quem chega aos 90 de vida: já não ouve bem, repete sempre as mesmas baboseiras e sorri com ternura para os que lhe enfiam a mão no bolso.
Diz-se povo livre, mas aprendeu bem cedo a frase de ouro que o mantém acorrentado:
“Eu não quero saber de política.”
Como se fosse uma nobre renúncia ou uma superioridade zen. Como se ignorar a política fosse um dom de elevação moral, e não o atalho mais rápido para ser governado por salteadores de colarinho branco.
E no meio das queixas sobre impostos, habitação e salários de miséria, ouve-se sempre a pérola reluzente da conivência:
“Se eu estivesse no lugar deles, também roubava.”
Aqui está, em poucas palavras, o epitáfio antecipado da nação: a absolvição pré-paga dos corruptos, com selo e assinatura popular. Porque o problema não é o político ladrão, é o povo que já sonha com a oportunidade de roubar também.
E é nesta missa campal da canalhocracia que se erguem os santos padroeiros da corrupção eficaz:
- São Isaltino dos Bolsos Cheios, que fazia rotundas e estacionamentos debaixo da mesa.
- São Sócrates, o Milagroso, que transformava défices em powerpoints e mentiras em comícios.
Ah, Sócrates!
O homem que nos levou à Troika de braços dados com o endividamento eterno, que erguia obras e descia reputações ao rés-do-chão.
Mas “fez obra”, dizem eles. E isso, em Portugal, é redenção suficiente.
Construir betão é, pelos vistos, superior a construir justiça.
Roubar milhões é aceitável, se no fim sobrarem umas placas de inauguração e uns centros comerciais vazios no meio de nenhures.
“É corrupto, mas faz obra.” Eis a versão moderna de “rouba mas dá aos pobres” — só que sem dar aos pobres, claro.
E se amanhã José Sócrates aparecer candidato às presidenciais, não duvidem:
Haverá quem vote nele com o peito cheio de orgulho e o cérebro em poupança de energia.
Afinal, é dos nossos. Fala bem, rouba com estilo e até tem bom gosto em vinhos e apartamentos em Paris.
E depois queixam-se…
Que não há casas.
Que os filhos emigram.
Que os salários não chegam.
Que os hospitais são labirintos sem médicos.
Mas no fim, lá estão na fila de voto, a escolher o corrupto que “fala melhor”, que “dá espetáculo”, ou que “pelo menos fez alguma coisa”.
Este povo não precisa de políticos honestos.
Precisa de um espelho.
E de coragem para olhar para ele.
Artigo satírico de Augustus Veritas no país em que se veneram os corruptos e se jogam os inteligentes pelas fronteiras fora.

