
Portugal, Justiça Adiada, Vergonha Acumulada
Há um perfume a mofo nos corredores da Justiça portuguesa. Um cheiro denso, que vem de papéis empilhados por décadas, de silêncios comprados, de sentenças adiadas até à náusea. Hoje, mais uma vez, vimos o teatro de sempre: José Sócrates, outrora primeiro-ministro, agora protagonista recorrente do palco judicial, a gritar perseguição onde o povo vê apenas fuga e manobra.
Esta manhã, no Campus da Justiça, não foi feita justiça — foi encenada. O Supremo Tribunal de Justiça recusou o pedido de recusa ao Procurador-Geral da República. Sócrates, teatral, acusou os juízes de protegerem “uns aos outros”, como se o sistema fosse um velho clube onde todos conhecem a senha da porta dos fundos.
Mas a tragédia não é Sócrates. A tragédia é o país.
É o cidadão que paga impostos e não vê retorno.
É o jovem que emigra.
É o velho que espera meses por uma consulta.
É o empresário esmagado por burocracia, enquanto os amigos do sistema flutuam em offshores.
A Operação Marquês é o símbolo máximo da podridão institucional: 11 anos de investigação, centenas de volumes, milhares de páginas, e a sensação generalizada de que nada vai acontecer. A justiça em Portugal não é cega — é seletiva. Não é lenta — é cínica. Funciona com duas velocidades: uma para os “Zés” anónimos e outra para os Zés que jantam com banqueiros e tratam ministros por tu.
E não venham dizer-nos que é a democracia a funcionar.
Democracia sem justiça é teatro.
É fachada.
É circo sem palhaços, onde o povo paga bilhete, mas nunca se ri.
Somos um país em que os governos permitem salários de miséria, rendas insustentáveis, demolições desumanas de barracas onde vivem trabalhadores. E depois, ao mais alto nível, assistimos a este desfile de insultos à inteligência coletiva: comícios disfarçados de audições, e arguidos que se acham vítimas do sistema que eles próprios construíram.
Sim, Portugal continua a ser uma nação que tapa a corrupção com papéis, arrasta os processos, troca moral por compadrio, e entrega a esperança à anestesia do costume.
Mas há uma parte de nós que ainda resiste. Que ainda escreve.
Que ainda se indigna.
E enquanto houver uma só voz que recuse o silêncio, não está tudo perdido.
📌 Publica-se. Partilha-se. Revolta-se.
Porque um país sem memória é um país condenado à repetição.
E a vergonha não pode continuar a ser apenas nossa.
Artigo de Francisco Gonçalves in Fragmentos de Caos

