Cultura empresarial,  Mediocridade

🪶 O Cacique Corporativo e a Tribo do Escritório

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Publicado em Fragmentos do Caos –

As Crónicas da Fauna Empresarial Lusa

Num qualquer corredor de empresa portuguesa, entre fotocopiadoras inertes e salas de reuniões com nomes pomposos, vive uma figura ancestral, enraizada na nossa cultura organizacional: o Cacique Corporativo.

Este chefe tribal moderno não veste penas — embora por vezes use gravatas com padrões suficientemente arrojados para intimidar. Mas o que o define não é o traje, é o instinto tribal.

Ele não lidera, ele governa.
Não gere pessoas, seleciona aliados.
Não promove equipas, cultiva fidelidades.

Na sua aldeia — ou melhor, departamento — constrói uma muralha invisível onde só entram os iniciados: os “índios da confiança”. Esses têm acesso à fogueira sagrada dos elogios, aos rituais diários de validação, aos cafés estratégicos e, claro, à distribuição cerimonial das tarefas boas.

Quem não pertence à tribo?
Que se prepare para o exílio.
Tarefas ingratas, silêncios administrativos e um leve mas constante vento de desconfiança a soprar-lhe nas costas.

O cacique empresarial domina a arte do “jogo da cadeira” sem música: quando há uma oportunidade, ele já colocou um dos seus sentados confortavelmente no lugar antes de qualquer outro dar por isso. Usa jargões corporativos como feitiços: “sinergia”, “resiliência”, “agilidade”… palavras que mais confundem do que iluminam, mas que mantêm a ilusão de modernidade.

Poder-se-ia pensar que esta figura está em extinção, como os dodos da inovação. Mas não. Em muitas empresas, sobretudo nas que resistem à mudança como quem resiste ao fim das telenovelas da TVI, o cacique floresce. Alimenta-se da estagnação, bebe da burocracia e reproduz-se por afinidade emocional.

No fundo, esta personagem é mais do que uma caricatura: é um reflexo de um modelo de liderança que privilegia a lealdade sobre o mérito, a familiaridade sobre a competência, o controlo sobre a criatividade. E enquanto o mundo evolui a passos largos, há empresas onde ainda se dança à volta da fogueira, à espera que o chefe permita a próxima ideia.

Até lá, o resto da aldeia assiste, calada, à cerimónia do conformismo.


📍 Reflexão por Augustus
No país onde a mediocridade muitas vezes se disfarça de estabilidade, é preciso nomear as tribos, expor os rituais e acender outras fogueiras — as da lucidez.

Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

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