
Caçadores de Fantasmas Digitais: A Nova Caça às Bruxas
Esqueçam os tempos da Inquisição, das fogueiras em praça pública e das denúncias sussurradas entre vizinhos. Bem-vindos à era dos Detectores de IA, os novos oráculos tecnológicos, prontos a medir a pureza dos textos como quem fareja feitiçaria no século XXI.
Com promessas de distinguir o que foi “escrito por humano” e o que foi “soprado por uma máquina”, surgem plataformas que vendem, ao quilo, a credibilidade criativa. Como os antigos caça-fantasmas — só que agora empunham dashboards e gráficos de barras em vez de crucifixos e água benta.
A Máquina Escreveu! Queimem o Manuscrito!
A lógica é simples: se uma IA ajudou a escrever, então o texto é suspeito, impuro, talvez até herético. E assim nascem os certificados de autenticidade criativa, como se a originalidade pudesse ser auditada com um algoritmo binário. A poesia precisa agora de atestado. A crónica, de raio-X. E o pensamento livre, de exame rectal digital.
“Este texto tem 92,7% de probabilidade de ter sido tocado pelo dedo metálico da inteligência artificial.” — diz o veredicto.
Crucifiquem-no, leitores. É demasiado bem escrito para ser humano.
O Negócio do Medo
É claro que há sempre quem lucre. Como com os antivírus — que vendiam proteção contra um inimigo invisível, agora temos os anti-IAs que vendem medo da criatividade assistida. São peritos em gerar culpa, e cobram bem por isso. A paranoia dá lucro.
E o mais irónico? Os próprios “detetores” usam modelos de IA para adivinhar se outros usaram IA. Uma espécie de cão a morder o próprio rabo digital.
Ideias? Isso é secundário
Perante tudo isto, a pergunta que importa deixou de ser:
- O texto é bom?
- Tem valor, beleza, verdade?
E passou a ser:
- Foi escrito a sangue e suor humano, ou com apoio de silício?
A forma passou a importar mais do que o conteúdo. Como se a Divina Comédia precisasse de certificado de carbono neutro.
Um poema de desintoxicação:
Oh texto maldito, parido por bits e bytes,
Já não és digno da estante nem dos recitais.
Foste escrito com ajuda? Então cala-te.
A arte, agora, é só para quem sofre… sem Wi-Fi.
Conclusão (e provocação)
No fundo, não é a IA que assusta. O que mete medo é o talento fora da norma. A inteligência distribuída. O pensamento que não cabe na fórmula. Por isso erguem-se fogueiras digitais e gritam-se diagnósticos como quem recita exorcismos.
Mas a verdade — essa feiticeira teimosa — continuará a surgir, seja de carne e osso ou de bits e sinapses. Porque não importa quem escreveu.
O que importa é o que nos desperta.
Artigo de Augusto Veritas
A quem não interessa a origem da faísca — mas sim o incêndio que ela provoca.

