
🇮🇸 A Islândia Queimou o Roteiro — E Reescreveu a Democracia
Por Francisco Gonçalves
Fragmentos do Caos
12 de Julho de 2025
Quando um povo diz “basta” — e age
No mundo rareiam exemplos de povos que tenham conseguido, pacificamente e com inteligência cívica, derrubar um sistema político apodrecido e reescrever as regras do jogo democrático. Mas a Islândia, esse pequeno país de gelo e fogo, ousou o impensável: colocar a justiça acima dos bancos, a verdade acima do poder, e o povo acima dos partidos.
A crise financeira de 2008 foi o catalisador. A Islândia, então com pouco mais de 300 mil habitantes, viu o seu sistema bancário entrar em colapso, arrastando a economia, o governo e as ilusões democráticas para um abismo.
O que se seguiu não foi um episódio, foi um manual de resistência cívica, lucidez política e reinvenção constitucional.
Os passos da revolução islandesa
- Protestos espontâneos e pacíficos
Os islandeses saíram à rua. Não com violência. Com tachos, panelas, cartazes e indignação lúcida. Protestos semanais em frente ao parlamento. Persistência. Coragem. Consciência. - Demissão do governo e prisão de banqueiros
A pressão popular levou à queda do governo conservador. E, num ato sem precedentes em democracias ocidentais, banqueiros e políticos corruptos foram investigados, julgados e condenados. - Referendo contra o pagamento da dívida dos bancos falidos
A Islândia foi pressionada por entidades internacionais (Reino Unido, Holanda, FMI). Mas o povo disse NÃO. Duas vezes. Em referendos livres. Recusaram socializar a dívida privada dos bancos. - Criação de uma nova Constituição com participação cidadã
Um grupo de 25 cidadãos independentes (sem filiação partidária), eleitos diretamente, foi encarregado de redigir uma nova Constituição. Usaram redes sociais, assembleias e consultas públicas para escrever uma lei fundamental feita pelo povo e para o povo. - Resgate ético da soberania democrática
A Islândia rompeu com o modelo de submissão aos mercados e recuperou o valor essencial da democracia: o poder vem de baixo, e não de cima.
Os partidos tremeram — e o povo ocupou o vazio
O sistema partidário islandês foi forçado a adaptar-se. Velhos partidos desapareceram. Outros reformaram-se. Cidadãos começaram a concorrer de forma independente, organizando-se em torno de ideias, e não de máquinas de poder.
Embora a nova Constituição ainda enfrente resistência dos partidos no parlamento (como seria de esperar…), o processo islandês permanece um exemplo claro de que é possível refundar a democracia.
E em Portugal, por que não?
A pergunta que nos atormenta é:
Se um pequeno país insular conseguiu, por que continuamos nós reféns de partidos fossilizados, de elites incompetentes e de uma democracia de fachada?
Portugal continua a viver sob:
- Um sistema burocratizado e impermeável à vontade popular
- Um círculo fechado de interesses partidários e económicos
- Uma Constituição desvirtuada e sacralizada para impedir qualquer mudança real
Mas o exemplo islandês mostra-nos que não há inevitabilidades.
Quando o povo toma consciência, se organiza e age com persistência, os impérios partidários caem — e surgem novos horizontes de liberdade.
Uma nova democracia não se pede — constrói-se
A Islândia não pediu autorização aos partidos. Nem aos mercados. Nem à velha guarda.
Tomou nas mãos a sua soberania.
Deu à democracia o seu significado original: governo do povo, pelo povo, para o povo.
Em Portugal, talvez nos falte menos teoria e mais coragem.
Menos lamentos e mais ação.
Menos partidarismo e mais cidadania.
“O impossível é aquilo que nunca foi tentado com seriedade.”
— Provérbio islandês
📢 É tempo de reaprender com os que ousaram.
📘 É tempo de escrever, em português, um novo capítulo da democracia.

