Sociedade e politica
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Crónicas da Ilusão Nacional – Episódio XXII: O Beato País do Comentário Eterno
Por Francisco Gonçalves – fragmentoscaos.eu Portugal entrou oficialmente em modo sacristia. Durante três dias — e a contar — fomos todos, por decreto mediático, convidados a ajoelhar perante os ecrãs e entoar loas ao falecido Papa Francisco. Não importa se és ateu, agnóstico, muçulmano ou apenas um cidadão exausto de tanta encenação — tinhas de assistir. Era obrigatório. Estava em todo o lado. Todos os canais. Todos os jornais. Todos os programas. Todos os políticos. Todos os comentadores. Todos os clérigos. Todos os ex-católicos reconvertidos à última hora. O Papa morreu. E com ele, morreu também a programação televisiva, a pluralidade editorial, e o direito de mudar de canal sem…
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Crónicas da Ilusão Nacional – Episódio XXI: A Televisão como Altares do Vazio
Por Francisco Gonçalves – fragmentoscaos.eu Vivemos tempos em que a televisão já não informa, não educa, não liberta. Limita-se a ocupar o espaço da consciência coletiva com ruído, como quem despeja areia nos olhos de um povo. Os canais públicos e privados tornaram-se púlpitos da mediocridade e instrumentos do adormecimento popular. Ontem, o país parou. Todos os canais – todos – renderam-se ao luto contínuo pela morte do Papa Francisco. O mesmo Papa que, apesar da sua postura progressista e humana, representava uma instituição arcaica, patriarcal e muitas vezes cúmplice com os grandes poderes. Durante 24 horas por dia, o ecrã transformou-se num altar. Repetições infinitas. Comentadores comovidos. Repórteres com…
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A Verdade Silenciada: O Mundo em Estado de Manipulação
Por Francisco Gonçalves I – A Verdade Tornou-se Inimiga Vivemos numa era paradoxal: temos acesso ilimitado à informação, mas nunca estivemos tão desinformados. A verdade tornou-se uma ameaça aos interesses instalados. Quem a busca é rotulado de radical, teórico da conspiração ou ingénuo. A mentira, pelo contrário, assumiu o centro do palco — sofisticada, repetida, legitimada. Os factos são distorcidos à medida da conveniência política e económica. Os media, em vez de serem o quarto poder, tornaram-se a extensão dos gabinetes de comunicação dos partidos, das empresas e dos lobbies. A narrativa não tem compromisso com a realidade — apenas com a sua utilidade estratégica. O jornalismo independente é minoria,…
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Quando a Ciência Vai na Frente e os Políticos Ficam na Penumbra: O Caso da Fusão Nuclear
Por Francisco Gonçalves “A ciência avança, silenciosa e luminosa. E os políticos? Ficam-se de boca aberta, pasmados, impotentes perante o novo que muda tudo.” I. Um Sol Artificial no Coração da Terra Em março de 2025, na cidade de Chengdu, no sudoeste da China, o reator experimental HL-3 deu um passo audaz rumo ao impossível: atingiu, simultaneamente, 117 milhões de graus Celsius nos eletrões e mais de 100 milhões nos iões — recriando assim, dentro de uma máquina em forma de donut (um tokamak), as condições do próprio Sol. Este feito, mais do que um marco científico, é uma declaração de intenções: a fusão nuclear deixou de ser um sonho…
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Europa no Fio da Navalha: Entre o Protecionismo Americano e a Abertura Chinesa
As novas tarifas anunciadas por Donald Trump são mais do que um erro económico interno: são um terramoto cujas ondas de choque se farão sentir em todo o planeta. E, como sempre, a Europa está no epicentro da turbulência sem ter provocado o sismo. A dependência comercial, tecnológica e estratégica da União Europeia em relação aos Estados Unidos torna-a vulnerável à imprevisibilidade de Washington. E quando essa imprevisibilidade toma a forma de protecionismo agressivo, a UE tem apenas duas opções: ajoelhar ou reposicionar-se. A história das relações transatlânticas está repleta de alianças cómodas e cumplicidades estratégicas. Mas também está marcada por assimetrias e submissões. A Europa tornou-se, em muitos aspetos,…
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Introdução ao livro “O Teatro dos Partidos”
Prefácio Este livro não foi escrito para agradar.Foi escrito para acordar. O Teatro dos Partidos é uma reflexão urgente sobre o estado da democracia representativa, onde os cidadãos votam, mas raramente decidem.É uma crítica ao sistema onde a pluralidade prometida se dissolve num ritual cíclico de promessas, escândalos e alianças calculadas. Não trago soluções fechadas. Trago perguntas abertas.Não aponto culpados individuais. Aponto a engrenagem que os reproduz. Se estas páginas forem desconfortáveis, então cumprem o seu papel: o de provocar pensamento — e, quem sabe, ação. Francisco Gonçalves Vivemos tempos de máscaras, de aplausos forçados e de encenações políticas cada vez mais óbvias. O que se apresenta como democracia já…
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Portugal – O Mercado dos Votos: Subvenções Estatais e o Vício dos Partidos
O Mercado dos Votos: Subvenções Estatais e o Vício dos Partidos Num país onde o povo ainda luta por dignidade, onde os salários roçam a sobrevivência e a juventude emigra de sonhos na mala, há uma casta que floresce sem risco, sem suor e sem mérito: os partidos políticos. Sim, os partidos — esses clubes fechados de gestão de poder — recebem milhões de euros por ano, pagos com o sangue fiscal de cada cidadão. Porquê? Porque alguém, algures num parlamento de interesses, decidiu que cada voto devia ser convertido em dinheiro público. Em Portugal, por cada voto conquistado numa eleição legislativa, um partido recebe cerca de 3,48 euros por…
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O Desprezo de Cima e o Clamor de Baixo
“O Desprezo de Cima e o Clamor de Baixo”, a propósito de artigo publicado no “O Expresso”, por Miguel Sousa Tavares. Vivemos num país onde pensar já é revolta, e agora — pelos vistos — votar diferente é traição à democracia. Miguel Sousa Tavares, um dos nomes mais celebrados da nossa intelligentsia mediática, declarou que os eleitores do Chega “não são recuperáveis para o espaço democrático”. Está dito. Com pompa e convicção. Como se a democracia fosse um clube privado com dress code. Mas este tipo de frase não ilumina. Cega. E revela a cegueira de quem não quer entender as razões de um voto, mas apenas condená-lo moralmente. Quando…
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Portugal: Onde Pensar é Revolta, e a Corrupção é Cultura
Em Portugal, pensar tornou-se um ato de insubmissão. Quem questiona é logo visto como perturbador, quem propõe mudanças é tratado como lunático, quem insiste em sonhar com um país melhor é desdenhado como ingênuo. A sociedade civil está moribunda, afogada num mar de apatia, divisão e fatalismo. Cada um por si, todos contra todos. O “salve-se quem puder” substituiu a solidariedade, a esperteza é admirada, a inteligência marginalizada. Os partidos políticos, todos sem excepção, vivem à conta do erário público como príncipes de um regime feudal moderno. Câmaras municipais e empresas públicas e privadas alimentam-se da gordura do Estado, enquanto o contribuinte geme sob o peso de impostos, taxas, e…
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A Banalização do Mal Extremo: Uma Reflexão Filosófica
A História, quando olhada de forma crítica e profunda, revela algo de alarmante sobre a natureza humana: a capacidade de adaptação e aceitação de atrocidades extremas. O mal, muitas vezes, não surge de forma abrupta e monstruosa, mas entra gradualmente na vida humana, tornando-se quase “banal”, como se fosse uma inevitabilidade ou um mal necessário. Esta ideia foi profundamente explorada pela filósofa política e teórica social Hannah Arendt, quando abordou a questão do “mal banal” na sua análise do julgamento de Adolf Eichmann, um dos principais responsáveis pelo Holocausto. A “banalização do mal”, conforme Arendt a define, não se refere à ausência de maldade ou à falta de intencionalidade malévola,…