
A Nação Subjugada: Entre a Corrupção e o Silêncio
Há tragédias que não se escrevem com sangue nem com lágrimas, mas com o silêncio cúmplice de quem devia gritar. Esta é uma delas.
José Sócrates, ex-primeiro-ministro de Portugal, continua por julgar — quase uma década depois de ser detido num aeroporto como personagem caída de um romance noir. Acusado de corrupção passiva, branqueamento de capitais e tráfico de influências, permanece, todavia, numa espécie de limbo judicial onde o tempo escorre como areia por entre os dedos de um povo cansado.
Pergunta-se: porquê tanto tempo?
E a resposta, por mais que nos doa, já não é surpresa. A justiça em Portugal não é cega — é míope seletiva. Vê com rigor os pequenos delitos, mas tropeça nos grandes nomes. Usa o martelo com força quando julga o pobre, mas hesita, treme e adia quando o réu tem currículo político, ligações empresariais ou uma carteira de advogados com 500 páginas de truques dilatórios.
Chama-se a isso Estado Capturado. Um país onde o aparelho judicial, em vez de proteger o cidadão comum, serve de escudo aos poderosos, adiando eternamente o inevitável ou prescrevendo convenientemente o insuportável. Aqui, quem tem tempo e dinheiro tem tudo — até a eternidade judicial.
O processo Sócrates é apenas o reflexo mais visível de um mal sistémico. E não está só. Outros nomes — banqueiros, ministros, autarcas, presidentes de empresas públicas — partilham o mesmo destino: a sala de espera da Justiça que nunca chega.
Mas o povo sente. Vê. Sabe. E, num país onde o desempregado é julgado em três meses por um subsídio indevido, não entende por que razão um ex-governante acusado de milhões desviados não conhece o banco dos réus passados tantos anos.
É que a justiça adiada é justiça negada. E a cada dia que passa sem julgamento, a confiança nas instituições morre um pouco mais.
Portugal, terra de poetas e marinheiros, vive hoje um novo tipo de naufrágio — o da dignidade do Estado. E a Justiça, que devia ser farol, tornou-se âncora. Não ilumina: prende-nos ao fundo.
Assim se desenha esta tragédia: não com actos de heroísmo, mas com silêncios burocráticos; não com espadas, mas com prazos; não com vilões confessos, mas com arguidos protegidos por teias legais.
E nós? Nós assistimos, impotentes, como espectadores resignados de um teatro onde a verdade se despede com um aceno de tédio.
Só nos resta escrever. Denunciar. Gritar. Para que um dia, talvez, as paredes dos tribunais voltem a ecoar justiça — e não apenas o som abafado da vergonha.
Francisco Gonçalves
in Fragmentos de Caos

