Democracia e Sociedade

Entre Sacanas e Silêncios

Jorge de Sena escreveu, com sangue e sarcasmo, que Portugal era — e é — o país dos sacanas.
Não dos maus-viventes isolados, mas da sacanice socializada, funcional, aceite como cola da convivência nacional.
Não a exceção, mas a regra vestida de hábito.

Nesse país, diz Sena, a nobreza de espírito é confundida com patifaria refinada.
A justiça é vista como ingenuidade.
A bondade, como hipocrisia.
A dignidade, como um truque demasiado sofisticado até para os mais manhosos.

E passadas cinco décadas desde seu grito literário, o diagnóstico mantém-se intacto.


A sacanice como identidade nacional

A sacanice, em Portugal, deixou de ser desvio.
É currículo.
É mérito.
É via de acesso ao poder.
É a arte do contorno, da cunha, do empurrão, da aparência, da esperteza saloia — tão aplaudida quanto trágica.

Governos caem, partidos mudam, slogans renovam-se —
mas o país continua governado por uma elite que não é mais do que sacana em várias línguas, com gravata e verniz europeu.


E o povo?

O povo… já nem se indigna.
Já nem se espanta.
Já normalizou a traição, o compadrio, o vazio.
Aplaude os que “sabem mexer-se”.
Vota nos que mentem com mais fluidez.
E chama de “tolo” ou “perigoso” a quem ainda acredita que ética não é utopia.

É isso que dói:
não é só que o país esteja cheio de sacanas —
é que os poucos justos que restam são considerados inconvenientes.


Ser ou não ser?

“Ser ou não ser?”, pergunta Sena, evocando Hamlet.
Mas logo recorda: “isso foi no teatro… e o gajo morreu na mesma.”

Neste país, o dilema já não é existencial.
É funcional:
ser sacana ou ser sacrificado.
Ser indiferente ou ser esmagado.


E agora?

Agora… somos nós, os que ainda escrevemos, os que ainda gritamos, os que ainda recusamos esta farsa, que temos a obrigação de acender palavras como archotes.

Porque a única saída do país dos sacanas…
é a coragem cívica de não o ser.
Mesmo que doa.
Mesmo que sejamos poucos.
Mesmo que, no fim, morramos na mesma.

Francisco Gonçalves
(em homenagem ao poeta e escritor Jorge de Sena)


Créditos para IA, DeepSeek e ChatGPT (c)

Imagem cortesia de OpenAI (c)

Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

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