Democracia e Sociedade

Crónica Judiciária: Quando Começa a Farsa, Mas a Justiça Tenta Levantar-se

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Ontem, 3 de julho de 2025, o tão aguardado julgamento de José Sócrates finalmente teve início. Mas, como qualquer espetáculo trágico-cómico à portuguesa, não podia começar sem tropeções, tropeços e tentativas de encenação jurídica que fariam corar um guionista de novelas mexicanas.

Pedro Delille, advogado do ex-primeiro-ministro, chegou ao tribunal com uma mala cheia de truques. Requerimentos, incidentes de recusa contra a juíza Susana Seco, e mais um ataque frontal aos procuradores do Ministério Público. Não faltou nada: dramatismo, argumentos de ocasião e a tentativa clara de impedir que a cortina subisse.

Mas a juíza, firme e lúcida, recusou liminarmente parte dos pedidos, registou os restantes e — contra as expectativas dos que já anteviam mais um adiamento — deu início ao julgamento. A sua postura deixou claro: o teatro pode continuar lá fora, aqui vai-se ouvir justiça.

Delille e Sócrates, parceiros de palco e retórica, não querem apenas defender-se. Querem ensaiar uma reescrita da história. E esta começa com a velha fórmula: atacar o sistema, a imparcialidade, a legitimidade do julgamento. Tudo menos as provas.

Sócrates, mestre do verbo, observa com a altivez de quem já sobreviveu a mil manchetes. Não treme, não recua — ensaia. Porque sabe que em Portugal, o tempo é o melhor advogado de defesa. E a exaustão da justiça é, muitas vezes, mais eficaz que qualquer argumento técnico.

Mas ontem, algo fugiu ao guião habitual. A justiça não recuou. A juíza Susana Seco sentou o réu, deu voz ao processo e lembrou que, por muito que se tente transformar o julgamento numa ópera cínica, há um país inteiro a exigir respostas.

Este não é apenas o julgamento de José Sócrates. É o julgamento de um sistema que permitiu, alimentou e aplaudiu os abusos do poder. E se, finalmente, a justiça estiver disposta a levantar-se, então talvez este ato de ontem tenha sido mais do que simbólico.

Talvez tenha sido o início — ainda que tremido — da reposição de um país com vergonha na cara.


Artigo de Francisco Gonçalves in Fragmentos de Caos

Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

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