Fé e esperança,  Sátira Política

Sines -Gigafábrica ou Giga-fábula?

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Um conto futurista à portuguesa sobre a Inteligência Artificial… e a Imaginação Abusiva

No país do fado, do futebol e dos fundos europeus, surgiu uma nova promessa: uma gigafábrica de Inteligência Artificial em Sines, apadrinhada pelo Banco Português de Fomento e anunciada com um brilho quase celestial nas conferências económicas do costume. O projeto ainda nem assentou arraiais, mas já se prevê que atinja 1,6 mil milhões de euros em receitas até 2030.

Pausa dramática. Respirar fundo. Repetir: 1.600.000.000 € de um projeto que ainda não tem licenciamento, nem terreno demarcado, nem sequer um render 3D visível ao comum mortal.

Mas há uma conferência com PowerPoint, claro.

A Nova Liturgia: Anunciar o Futuro como se fosse Passado

Em Portugal, aprendeu-se o truque: projectar não é construir. É fazer manchetes. E nada rende mais crédito junto de Bruxelas e da população cansada do “país a empobrecer” do que anunciar um el dourado com data marcada: 2030. Se for um número redondo, ainda melhor. Se soar a ficção científica em versão low-cost lusitana, é perfeito.

Eis então a profecia: a IA vai salvar o Alentejo. Vão chover bytes do céu. E onde antes havia pescadores e pinheiros, haverá robôs com sotaque eólico a processar dados para o mundo inteiro.

Receita do Milagre Luso:

  1. Uma região deprimida (Sines é a nova Silicon Çines);
  2. Um CEO entusiasmado com microfone em punho;
  3. Uma candidatura enviada à pressa para Bruxelas;
  4. E uma imprensa sedenta por boas notícias num mar de pobreza estatística.

Nada como um projeto que mistura IA, energia verde e exportação digital para fazer esquecer a pobreza estrutural e os problemas reais.

Inteligência Artificial ou Imaginação Abusiva?

Não se sabe quantos empregos. Não se sabe o investimento real. Não se sabe o impacto ambiental. Mas sabe-se o número: 1,6 mil milhões. Não é magia. É narrativa. E a narrativa em Portugal está cada vez mais dependente de comunicados de imprensa em modo wishful thinking.

Epílogo: A Fábula da Giga-fábrica

Quando se anunciar em 2029 que o projeto foi adiado para 2036, ou que foi integrado num polo universitário de investigação em soft skills, lembrar-nos-emos desta data: junho de 2025, quando Portugal, com uma folha A4 e uma apresentação de slides, decidiu que ia liderar o mundo da Inteligência Artificial.

Por enquanto, a inteligência mais necessária continua a ser a emocional: a de não engolir estas giga-fábulas com ar de profecia.

Artigo de Francisco Gonçalves com a colaboração de Augustus Veritas

“Portugal ainda nem fabricou a ideia e já fatura os sonhos — só falta mesmo a IA levantar-se e bater palmas ao Excel que a criou.”

  • Augustus Veritas

Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

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