Democracia e Sociedade

Gasolina, Bonecas e Realidade Paralela – A Economia Segundo Trump


Num momento em que a economia americana mostra sinais de tensão — com inflação a subir discretamente, desemprego a resistir e o consumo a abrandar — Donald Trump surge mais uma vez com a sua visão singular do mundo: menos brinquedos, mais gasolina e, acima de tudo, fé cega no seu génio económico.

A nova doutrina: austeridade emocional e combustível patriótico

Esta semana, Trump declarou que os americanos deviam “aceitar um certo grau de austeridade”, defendendo que uma criança não precisa de 35 bonecas — “duas ou três chegam” — e que o importante é ter gasolina.

Gasolina acima de tudo. Bonecas só em racionamento.

A mensagem, embalada numa lógica de avô autoritário e coach motivacional de fundo de quintal, resume-se assim: não se queixem, sacrifiquem-se e comprem combustível — porque papá Trump sabe o que faz.

A besta a alimentar: o consumo ou a ideologia?

Ao afirmar “não precisamos de alimentar a fera”, Trump pode estar a referir-se ao consumo desenfreado — ou, talvez mais provavelmente, ao monstro da globalização e diversidade económica que ele sempre combateu com tarifas, muros e discursos inflamados.

Mas o problema não está só nas palavras. Está na contradição: impõe tarifas, sabe que os preços sobem, e depois exige ao povo que se sacrifique… mas promete a melhor economia da história. Uma ginástica retórica que faria corar qualquer ilusionista de Las Vegas.

Economia de palco e culpa herdada

Como sempre, Trump aplica a fórmula infalível:

  • Se algo corre bem: “fui eu”.
  • Se algo corre mal: “foi Biden”.

Mesmo quando os indicadores mostram estabilidade relativa — inflação a 2,3% e desemprego em 4,2% —, Trump prefere o drama à nuance. Apresenta-se como salvador de um país em chamas, mesmo que os dados não sustentem esse apocalipse.

A sua “economia” não se constrói em cima de políticas sólidas, mas de frases feitas, comparações absurdas e um marketing de realidade alternativa.

Uma América de brinquedo… sem bonecas

Talvez a imagem mais simbólica desta doutrina seja mesmo a do carrinho de bebé vazio, empurrado por uma família que já não compra brinquedos, mas enche o depósito de um SUV para ir trabalhar 70 horas por semana com o salário congelado.

Trump quer transformar os EUA numa nação espartana, que troca o consumo pelo combustível, o conforto pela obediência e a crítica pela devoção.

A pergunta que fica é: quantas bonecas se podem sacrificar antes de uma democracia se transformar num reality show autoritário com bandeira?


Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

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