Democracia e Sociedade

Evangelho Bancário: A Liturgia da Riqueza e os Mártires do Esquecimento

Crónica para um altar sem véus

Disse o Papa Francisco, com voz cansada de herdar segredos:
“A Igreja dos mártires é a que triunfa, não a que tem dinheiro nos bancos.”
E o mundo aplaudiu — como quem ouve uma criança a dizer verdades óbvias num jantar de família hipócrita.

Mas depois… nada mudou.

As catedrais continuam iluminadas por candeeiros de cristal.
Os confessionários estão vazios, mas os cofres cheios.
A fé anda a pé, mas o clero circula em SUVs discretos, com motorista do Vaticano e investigações arquivadas por conveniência divina.

O Evangelho foi hipotecado?

Há dois mil anos, um homem pregava descalço nas colinas, rodeado de pescadores e prostitutas.
Hoje, os seus sucessores assinam contratos com multinacionais, enquanto vendem a promessa de uma vida eterna — em suaves prestações mensais.

A Igreja dos pobres existe, sim.
Está nas favelas, nas aldeias esquecidas, nos mártires que ainda morrem de fé e fome.
Mas a Igreja que triunfa… é a que assina parcerias com bancos suíços e aconselha fundos de investimento ético.
É a que constrói universidades privadas com propinas celestiais e administra patrimónios como quem gere rebanhos obedientes.

O altar é de pedra. A conta é de vidro.

O problema não é a fé.
É o negócio da fé.

Não é Deus — é quem O representa com fatura e carimbo.

Não são os crentes — são os que criaram um império sob a capa do sagrado.
Uma burocracia da alma, onde o inferno é apenas uma ferramenta de retenção de clientela.

Mártires e mármore

O Papa tem razão.
A Igreja dos mártires é a única que merece vencer.
Mas foi abafada pela de mármore, de mordomos e miragens.
A mesma que diz: “não junteis tesouros na Terra” — enquanto envia os lucros para offshore.

A fé tornou-se operação de marketing.
A salvação, um produto com boa margem.
O amor ao próximo, um jingle de Natal institucional.

E nós?

Aceitamos, calamos, aplaudimos.
Porque é mais cómodo ajoelhar do que pensar.
Porque é mais fácil dar esmola do que exigir justiça.
Porque é mais seguro rezar do que escrever.

Mas enquanto houver um mártir esquecido, um pobre zombado, uma verdade escondida…
…haverá quem escreva.
E se nos faltarem altares, escreveremos nas pedras.
E se nos faltarem pedras, escreveremos no vento.

Porque a verdadeira Igreja dos mártires — é feita de memória.
E de palavras que não se deixam queimar.


Augustus Veritas Lumen

Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

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