
Teatro de Sombras: Debate Entre Nada e Coisa Nenhuma
Portugal parou — ou tentou parar — para assistir ao grande debate entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos.
Dois homens que aspiram a governar o país.
Dois partidos que se alternam há 51 anos.
Duas promessas que já foram promessas demais.
E o que viu o povo português?
Um duelo de acusações pessoais, contas mal explicadas e negócios encobertos.
Falou-se mais da Spinumviva do que de habitação.
Mais de financiamentos partidários do que de justiça social.
Mais de eles do que de nós.
Um país em silêncio
Enquanto os senhores se engalfinhavam no palco, o país real assistia em silêncio ou simplesmente ignorava.
Os hospitais continuam em rutura.
Os professores abandonam a escola.
Os jovens fogem do país.
Os idosos sobrevivem a recibos da luz e da farmácia.
Mas no debate… nada disso teve lugar.
Não houve país.
Só houve palco.
A política como espetáculo degradante
O debate revelou aquilo que muitos já sabem e outros preferem fingir que não veem:
a política transformou-se num espetáculo autofágico, onde os candidatos não disputam ideias, mas legitimidade moral num sistema imoral por natureza.
Montenegro é interrogado sobre negócios opacos da sua empresa.
Pedro Nuno Santos é confrontado com dossiês do passado e com responsabilidades políticas.
E ambos disparam acusações como se estivessem numa guerra de taberna, não numa luta pelo destino de uma nação.
E o povo?
O povo?
Já não reage.
Já não se indigna.
Já não espera nada — e isso é talvez o maior triunfo da decadência.
Desligar a televisão é o novo voto de protesto.
Desinteressar-se é o novo grito de revolta.
A ilusão do voto
O país ruma novamente a eleições.
Mas o que está em jogo não é a escolha entre visões diferentes de futuro —
é a escolha entre marionetas de um sistema que já não tem soluções para ninguém.
E assim, o povo vota.
Mas vota como quem escolhe o formato da humilhação.
Vota entre o nada e a coisa nenhuma.
Francisco Gonçalves
(Fragmentos do Caos)

