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A Maldição da Esperteza Saloia: Um Povo Contra Si Mesmo


Desde os seus primórdios, Portugal tem sido marcado por uma característica tão enraizada que se confunde com a própria identidade nacional: a valorização da esperteza em detrimento da inteligência crítica.

Esta herança cultural — que alguns romantizam como “manha lusa” ou “sabedoria popular” — não é sabedoria.
É, na sua essência, a glorificação do atalho, da astúcia oportunista, da vitória pequena e fugaz, em vez da construção sólida e pensada de um futuro coletivo.

Ao longo da história, esta “esperteza saloia” revelou-se nas pequenas corrupções quotidianas, nas cunhas de favor, nos jeitinhos administrativos, nas lideranças ocas que sobem não pela sua visão ou competência, mas pela capacidade de contornar regras, enganar adversários e manipular consciências.

Na escola, premiam-se os espertos que decoram fórmulas sem pensar.
Na política, aplaudem-se os que ludibriam com promessas ocas.
Na sociedade, respeitam-se os que “sabem mexer os cordelinhos”, não os que ousam ser íntegros.

O resultado é inevitável: um país que venera os embusteiros enquanto despreza os sábios.
Um país que consome líderes fabricados pela astúcia e que marginaliza aqueles que pensam, questionam e inovam.

Esta cultura da esperteza é uma traição silenciosa ao próprio potencial do povo português.
Em vez de construir uma sociedade baseada na inteligência, na ciência, na justiça e na ética, perpetuamos um ciclo de mediocridade crónica, onde o mérito é visto como ameaça e a integridade como ingenuidade.

Portugal poderia ser grande.
Tem talento. Tem história. Tem geografia. Tem povo.

Mas falta-lhe — e falta-nos — a coragem de abandonar a esperteza saloia como modelo de sucesso.
Falta-nos ensinar desde cedo que pensar, questionar e criar vale mais do que contornar e subverter.
Falta-nos reconhecer que sem inteligência crítica, a democracia é frágil, a economia é manipulada, e a sociedade é facilmente colonizada por elites medíocres.

Cinquenta anos depois do 25 de Abril, esta é talvez a nossa maior batalha:
libertarmo-nos da maldição da esperteza e construir finalmente um país inteligente, justo e digno.

O futuro exige mais que esperteza.
Exige grandeza de pensamento.
E grandeza de espírito.

Francisco Gonçalves
(Fragmentos do Caos)


Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

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