
A Resistência Silenciosa — Sementes de Abril
Durante décadas, o regime de Salazar dominou Portugal como um pai severo e doente de poder. Um país vigiado, censurado, empobrecido e curvado — com a liberdade trancada a sete chaves e a dignidade racionada como o pão.
E, no entanto, houve resistência.
Não foi uma resistência de multidões. Não teve tambores nem palanques. Teve medo. Teve prisões. Teve exílio. Teve gente desaparecida nos porões da PIDE. Teve silêncio — mas também palavras escritas à máquina, panfletos escondidos, poemas passados de mão em mão.
Foi uma resistência de professores que ensinavam o que não podiam. De jornalistas que insinuavam verdades por entre linhas censuradas. De poetas que sabiam que a metáfora era a última trincheira da liberdade. De operários que desafiavam o sistema com greves que não podiam ter nome. De padres incómodos, de mulheres anónimas, de estudantes que não aceitaram calar.
O país estava amordaçado, mas a alma de alguns permanecia em estado de insurreição.
E é essa resistência quase invisível que semeou a madrugada de Abril. Porque a liberdade não aparece de repente — ela germina devagar, como uma planta rebelde a romper o alcatrão do medo.
Foi essa resistência que mostrou ao povo que era possível sonhar de novo. Foi ela que, mesmo perseguida, não morreu. E quando os cravos floresceram nas espingardas, foi porque alguém, anos antes, ousou regar a esperança com sacrifício.
Hoje, muitos falam da Revolução dos Cravos como se fosse apenas um dia bonito. Mas esquecem-se que esse dia foi o fruto maduro de décadas de luta calada. De heróis sem nome. De derrotas com honra. De teimosia contra o medo.
Abril nasceu no berço da resistência silenciosa.
E é por isso que temos de voltar a ouvi-la — antes que o silêncio volte a vencer.
Francisco Gonçalves

