Democracia e Sociedade

Crónicas da Ilusão Nacional – Episódio XXIII: Território Livre para a Mentira


Por Francisco Gonçalves – fragmentoscaos.eu

Portugal entrou para o pódio da vergonha informativa.
Segundo um estudo do Centro de Informação, Democracia e Cidadania, conduzido a partir da Bulgária, somos o 12.º país do mundo mais exposto à desinformação russa — uma posição que não surge por acaso, mas sim como resultado da fragilidade estrutural da nossa cultura democrática, mediática e cívica.

Durante os últimos quatro meses, foram publicadas 1550 peças de conteúdo pró-Kremlin por milhão de habitantes em território nacional. Traduzido em português claro: estamos a ser usados como laboratório experimental da propaganda russa.

E porquê Portugal?
Porque somos um país onde:

  • o pensamento crítico é raro e desconfortável,
  • o jornalismo independente é pobre, isolado ou capturado,
  • os partidos vivem em bolhas ideológicas e trocam insultos em vez de ideias,
  • e onde o cidadão comum já perdeu a fé em tudo e todos — menos no algoritmo do telemóvel.

A Rússia não nos vê como ameaça — vê-nos como terreno fértil, mole, disponível. Um povo desiludido, um sistema fragilizado, uma juventude desorientada, uma justiça ineficaz.
Portugal é o campo ideal para plantar confusão.

A estratégia é velha, mas eficaz:

  1. Ampliar os escândalos — mesmo reais — até à saturação.
  2. Semear a dúvida em tudo o que venha de instituições formais.
  3. Apresentar versões “alternativas” com ar de revelação.
  4. Dividir. Polarizar. Esgotar.

O que é mais perigoso?
Não é a propaganda em si. É a ausência de mecanismos para a desmontar.

Porque os nossos canais de televisão, já debatidos nas crónicas anteriores, são veículos de ruído, não de esclarecimento. E a escola portuguesa, com raras exceções, ainda não ensina a ler o mundo — apenas a decorar manuais desatualizados.

Estamos, portanto, perante um ataque não militar, mas mental.
E estamos a perder.


Portugal, pátria da passividade e da boa fé, está a ser colonizado pela mentira com sotaque estrangeiro — e sem que ninguém tome medidas sérias.

Se isto não é motivo de alarme nacional, então já nem sabemos o que é viver em democracia.
Mas enquanto houver lucidez — haverá crónica.
E enquanto houver crónica — haverá resistência.


Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

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