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Crónicas da Ilusão Nacional – Episódio XXI: A Televisão como Altares do Vazio

Por Francisco Gonçalves – fragmentoscaos.eu

Vivemos tempos em que a televisão já não informa, não educa, não liberta. Limita-se a ocupar o espaço da consciência coletiva com ruído, como quem despeja areia nos olhos de um povo. Os canais públicos e privados tornaram-se púlpitos da mediocridade e instrumentos do adormecimento popular.

Ontem, o país parou. Todos os canais – todos – renderam-se ao luto contínuo pela morte do Papa Francisco. O mesmo Papa que, apesar da sua postura progressista e humana, representava uma instituição arcaica, patriarcal e muitas vezes cúmplice com os grandes poderes.

Durante 24 horas por dia, o ecrã transformou-se num altar. Repetições infinitas. Comentadores comovidos. Repórteres com ar devoto. O mesmo tom, o mesmo texto, a mesma encenação. Como se Portugal fosse um Estado confessional. Como se todos os portugueses fossem crentes. Como se o tempo, a vida, os problemas reais — deixassem de existir.

Esta não é homenagem. É evangelização encapotada. É lavagem emocional. É imposição ideológica.

Portugal é uma república laica. Mas a televisão age como se fôssemos súbditos espirituais da Santa Sé. E o mais chocante: ninguém questiona. Ninguém interrompe. Ninguém contraria.

E o que há quando não há um Papa a morrer? Reality shows, crime do dia, discussões fabricadas, talk shows de vazio. Programas educativos? Zero. Ciência? Marginal. Documentários sobre a realidade portuguesa? Só se for para vender lágrimas ou patriotismo de plástico.

Ironicamente, nos tempos de Salazar, com censura oficial, ainda se transmitia cultura, arte e informação séria. Hoje, com liberdade formal, reina a servidão mental.

Porque os canais de televisão, tal como os partidos dominantes, foram colonizados por interesses. E esses interesses não querem cidadãos lúcidos — querem consumidores obedientes, espectadores dóceis, fiéis manipuláveis.

A televisão deixou de ser janela para o mundo. Agora é espelho de um sistema que se recusa a pensar.


Mas há quem não aceite. Há quem escreva. Há quem desligue a televisão e ligue a mente.

Esta crónica é um desses gestos. Um murro no silêncio. Um grito contra os altares do vazio.


Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

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