Democracia e Sociedade

O Filho Aprova, o Pai Lucra – A Promiscuidade como Norma

Crónica: O Filho Aprova, o Pai Lucra – A Promiscuidade como Norma

Em Portugal, os escândalos políticos já não causam espanto. Vivemos num estado de anestesia cívica em que o incrível passou a ser rotina, e o inadmissível é tratado com normalidade burocrática. A mais recente mostra desse teatro da promiscuidade institucional envolve Pedro Nuno Santos, dirigente do Partido Socialista e ex-ministro das Infraestruturas.

Veio a público que a empresa do seu pai celebrou contratos com o Estado durante o período em que Pedro Nuno Santos exercia funções governativas. Contratos esses que passaram por áreas sob sua tutela ou influência direta. Ora, a Lei n.º 52/2019, de 31 de julho, que estabelece o regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos, é clara:

  • O artigo 5.º determina que os titulares de cargos políticos devem abster-se de intervir, direta ou indiretamente, em procedimentos que envolvam entidades com as quais mantenham laços familiares ou pessoais próximos.
  • O artigo 8.º reforça que existe impedimento sempre que esteja em causa a participação em decisões sobre contratos, subsídios ou benefícios em que estejam envolvidos familiares diretos.

Mas como tantas outras leis em Portugal, parece servir mais para embelezar discursos do que para guiar práticas.

O argumento do costume não tardou: “Está tudo dentro da legalidade”. Essa é a nova forma de fugir à responsabilidade política e à ética pública. Como se cumprir a letra da lei, com interpretações criativas e despachos técnicos, bastasse para sossegar consciências.

Mas não basta. Quando um governante permite que empresas da família beneficiem de decisões públicas, está a cruzar uma linha vermelha. Mesmo que tecnicamente legal, é politicamente imoral. E é isso que mina a confiança dos cidadãos, que se cansaram de ver sempre os mesmos nomes, as mesmas famílias, os mesmos esquemas, a mandarem no país como se fosse um patrimônio privado.

Pedro Nuno Santos não é um caso isolado. É apenas mais um capítulo de uma novela longa, onde os protagonistas mudam de rosto, mas o enredo é sempre o mesmo: os que mandam vivem num mundo de impunidade e opacidade, enquanto o cidadão comum paga a conta e vê a república ser desfigurada a cada novo escândalo.

Portugal precisa urgentemente de uma reforma política e moral. Não basta mudar leis: é preciso mudar mentalidades, quebrar redes de influência, e restaurar a ideia de que o serviço público não é um trampolim para o lucro privado.

A família é importante, sim. Mas a República tem de vir primeiro. Sempre.

O artigo foi atualizado com as referências explícitas aos artigos 5.º e 8.º da Lei n.º 52/2019, reforçando o fundamento legal que torna o caso de Pedro Nuno Santos eticamente reprovável e juridicamente questionável.

Francisco Gonçalves

Imagem cortesia de OpenAI (c)

Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

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