Sociedade e politica

“O Bom Nome e o Mau Costume”


Há algo de profundamente errado num país onde se confunde uma gargalhada com um crime, e uma crítica mordaz com uma facada na honra. Em Portugal, século XXI, onde a democracia devia ser chão firme e a justiça um farol, insiste-se em proteger egos frágeis como se fossem património imaterial da humanidade.

Os tribunais, entupidos de processos, não com ladrões de colarinho branco, nem com mafiosos da corrupção, mas com humoristas, cronistas e cidadãos que ousaram dizer o que pensam, são hoje palcos de tragédia cívica. Políticos, empresários, e notáveis de peluche avançam para tribunal em nome do “bom nome”. Que nome é esse, tão delicado, que se estilhaça ao som de uma piada?

Pior ainda, alguns juízes — não todos, mas alguns — parecem carregar o peso de um código moral de outra era. Condenam ofensas como se fossem facadas. Aplicam penas de prisão por palavras, como se a palavra, num país livre, pudesse ser arma branca. Ora, num verdadeiro estado de direito, o ofendido tem sempre uma opção poderosa: ignorar. Mas o danado, esse sim, causa prejuízo concreto — e deve ser julgado como tal.

Mas aqui, não. Aqui o respeitinho ainda é quem mais ordena. E a liberdade de expressão é tolerada — não amada, nem protegida. Tolerada como se fosse um primo incómodo no almoço de domingo.

E no entanto, dizia-se — e eu continuo a acreditar —:
“Posso não concordar com nada do que dizes, mas bater-me-ei até à morte para que o possas continuar a dizer.”
Esse é o verdadeiro pacto democrático. O contrato invisível entre seres livres. Romper esse pacto é calar o futuro.

Talvez o país precise de rir mais de si mesmo. De perceber que a crítica — mesmo ácida — é um sinal de saúde, não de desrespeito. Que o humor é bálsamo, não blasfémia. E que o bom nome que vale, é aquele que não se quebra com o som de uma gargalhada.

Enquanto não aprendermos isso, continuaremos a ser um país de gente sisuda, pronta a processar quem ouse soprar a poeira do pedestal. Um país onde o verdadeiro crime não é calar os outros — é ousar falar demais.


E para que ninguém pense que isto é uma abstração, basta olhar para o caso recente em que a humorista Joana Marques foi processada pelo grupo musical “Os Anjos” por ter feito uma piada num programa de rádio. Sim, uma piada. A justiça, em vez de proteger a liberdade de expressão, entretém-se a julgar egos feridos. Numa democracia madura, o caso teria sido arquivado com um sorriso. Mas em Portugal, o humor é suspeito, e a crítica é passível de ser crime. Um país onde o verdadeiro crime não é calar os outros — é ousar falar demais.

Francisco Gonçalves

Créditos para IA e ChatGPT, (c)

.

Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *