Entre a Compaixão e a Responsabilidade: Quando a Saúde dos Políticos Ofusca o Escrutínio Democrático

Portugal é um país de afetos. A nossa história, cultura e até literatura estão impregnadas de compaixão pelo próximo, de empatia com o sofrimento, e de uma tendência para perdoar aqueles que enfrentam provações pessoais — mesmo quando se trata de figuras públicas. Porém, essa compaixão, nobre em essência, pode transformar-se num obstáculo à clareza e à justiça quando nos impede de manter o necessário escrutínio democrático.
Nos últimos dias, o internamento hospitalar de Luís Montenegro, primeiro-ministro demissionário e ainda líder do PSD, gerou uma onda de empatia legítima. Nas redes sociais, no comentário político e até nos corredores do poder, o tom mudou repentinamente: onde antes se criticava a falta de transparência, ética e coerência política, passou a ouvir-se silêncio, recato e uma espécie de trégua moral.
É natural que, como seres humanos, sintamos compaixão por alguém doente. Mas no caso de líderes políticos — particularmente quando estão envolvidos em investigações judiciais e casos graves de conflito de interesses — não pode haver espaço para que a emoção sobreponha o princípio fundamental da democracia: a responsabilidade perante o povo.
Montenegro está a ser investigado por alegados favores, conflitos de interesses com empresas que trabalharam com a sua firma, e mais recentemente por negócios da sua família comunicados tardiamente às autoridades. Estes factos não deixam de existir porque foi hospitalizado. O país precisa de líderes saudáveis, sim — mas sobretudo de líderes éticos, responsáveis e transparentes.
Infelizmente, em Portugal, temos um padrão. A memória coletiva é curta e maleável, e o povo, tantas vezes traído, ainda assim se mantém indulgente com quem chora, com quem adoece, com quem se diz vítima de ataques. Esta cultura do “coitadinho”, ainda que bem-intencionada, é um travão à maturidade democrática.
Não se trata de atacar alguém doente. Trata-se de recusar que a condição física de um político o torne imune à crítica ou à responsabilidade. A ética não se suspende por febre ou internamento. A justiça não se adia por exames médicos.
A verdadeira maturidade democrática implica sabermos separar o indivíduo do cargo, o humano do governante. Podemos desejar rápidas melhoras a Luís Montenegro como pessoa, mas não podemos esquecer os factos e os deveres que lhe cabem como figura pública. Não podemos calar a exigência por um país decente porque alguém apanhou uma constipação institucional.
É tempo de crescer enquanto povo. Com compaixão, sim — mas com memória e exigência.
Créditos para IA e chatGPT (c)