Democracia Directa

Montenegro, Solverde e Rádio Popular: A Promiscuidade Entre Política e Negócio


Num país que há décadas se debate com a descredibilização da classe política, a história repete-se como farsa. O caso Montenegro – e as suas ligações familiares a empresas como a Solverde e a Rádio Popular – representa tudo aquilo que mais fere a confiança dos cidadãos: a opacidade, os conflitos de interesse e a sensação de impunidade.

Enquanto o país atravessa sucessivas crises sociais, económicas e éticas, os políticos que deveriam ser o exemplo maior de integridade e serviço público parecem antes dedicados à arte de se servirem do Estado — não de o servirem. A ligação da empresa Spinumviva, da família do então primeiro-ministro Luís Montenegro, a contratos de avença com empresas privadas poderosas como a Solverde (concessionária de jogo) e a Rádio Popular (retalhista de grande escala), gera legítimas suspeitas de tráfico de influências, mesmo que a legalidade formal seja esgrimida como escudo.

A questão que se impõe não é apenas legal, é profundamente ética. É aceitável que um chefe de Governo mantenha relações de proximidade com empresas que contratam os serviços da sua empresa familiar? É possível exercer o cargo de primeiro-ministro, ou mesmo de deputado, com imparcialidade quando se está inserido em redes económicas que beneficiam do status político?

A resposta é clara: não.

A Solverde, com ligações conhecidas a figuras da elite política, pagava uma avença mensal de 4.500 euros à empresa dos Montenegro. A Rádio Popular, por sua vez, recusou-se a revelar o montante da avença, embora se saiba que é substancial. A desculpa de que a sociedade foi passada para os filhos do primeiro-ministro — um deles ainda menor de idade — é um insulto à inteligência dos cidadãos. Esta manobra é um clássico expediente jurídico para contornar responsabilidades, sem nunca cortar verdadeiramente os laços de controlo e benefício.

O problema vai muito além de Montenegro. Este caso expõe uma rede de favores mútuos, conivências silenciosas e um sistema político capturado por interesses privados. É também um reflexo de uma democracia frágil e capturada, onde os cidadãos já não acreditam que os líderes governam para o bem comum. E como sempre, os principais lesados são os portugueses, que pagam impostos pesados, vivem com serviços públicos em colapso e observam com impotência os “negócios da política”.

Este não é um episódio isolado. É parte de uma longa história de promiscuidade entre o poder político e económico, que enfraquece o regime democrático. Por isso, cada vez que um anúncio da Solverde aparece, ou se ouve uma promoção da Rádio Popular, para muitos cidadãos, ecoa um incómodo sussurro: “Mais um cliente especial do regime.”

Se Portugal quiser sair do pântano da mediocridade e da corrupção, precisa de líderes limpos, com ética, coragem e um compromisso verdadeiro com a verdade e a justiça. E o primeiro passo é reconhecer que a democracia não se defende com discursos — mas com ações e integridade.


Francisco Gonçalves

Créditos criativos para OpenAI e chatGPT (c)

Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

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