Democracia e Sociedade

O Encerramento do Caso das Gémeas: Quando a Verdade Se Dissolve no Silêncio Institucional

O chamado “Caso das Gémeas” chegou oficialmente ao fim, não com justiça clara nem com conclusões firmes, mas com a já habitual névoa de impunidade que se abate sobre tantos processos em Portugal quando envolvem figuras públicas ou instituições do Estado. Tal como em muitos episódios similares da história recente do país, este encerra-se com a sensação de que, uma vez mais, “a culpa morreu solteira”.

O Caso: Recapitulação

Em 2020, as gémeas Maitê e Lorena Martins, de nacionalidade brasileira com dupla cidadania portuguesa, receberam em Portugal o medicamento Zolgensma, um dos mais caros do mundo, utilizado para tratar Atrofia Muscular Espinhal (AME). O Estado português suportou os custos do tratamento — cerca de dois milhões de euros —, gerando suspeitas sobre favorecimento político, acesso privilegiado ao Sistema Nacional de Saúde (SNS) e possível tráfico de influências.

A controvérsia nasceu da rapidez e excecionalidade com que o tratamento foi aprovado, em contraste com a morosidade habitual do SNS para casos semelhantes de cidadãos nacionais, muitos deles à espera durante meses ou anos.

O Inquérito Parlamentar e o Desfecho

Perante o clamor público e mediático, foi criada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar responsabilidades. Porém, como tantas outras comissões no passado, a CPI tornou-se palco de lutas partidárias e disputas ideológicas, desviando-se do seu objetivo essencial: apurar os factos e responsabilizar quem de direito.

O relatório apresentado pelo Chega, que apontava responsabilidades à Casa Civil da Presidência da República e a ex-membros do Governo, foi chumbado. O PS apresentou um relatório alternativo, mais comedido, que foi aprovado. Este não encontrou qualquer falha ética, jurídica ou política que justificasse a responsabilização direta de alguém. E assim, encerrou-se o caso — formalmente limpo, politicamente manchado.

O Silêncio das Instituições

A Procuradoria-Geral da República não avançou com novas diligências. A Presidência da República, envolta no caso pelas suspeitas de contacto com a família das gémeas antes do tratamento, manteve um silêncio institucional. O Ministério da Saúde limitou-se a afirmar que agiu “dentro dos procedimentos normais”.

Mais uma vez, o sistema político e judicial português revelou a sua inaptidão para lidar com casos em que o poder e os interesses se entrelaçam. A falta de clareza e de consequências concretas deixa a opinião pública frustrada e ainda mais descrente das instituições.

Implicações para o Futuro

O encerramento deste caso lança um sinal perigoso: o de que, em Portugal, é possível recorrer a canais paralelos para aceder a direitos que, em teoria, deveriam ser iguais para todos. Confirma a ideia de que há portugueses de primeira e de segunda — ou, neste caso, luso-brasileiros com acesso aos corredores do poder e cidadãos comuns esquecidos nas listas de espera do SNS.

A confiança no sistema político e judicial sofre mais um golpe. E, enquanto não houver reformas estruturais profundas que garantam transparência, independência institucional e responsabilização efetiva, casos como este continuarão a alimentar o cinismo e a desesperança dos cidadãos.

Conclusão

O “Caso das Gémeas” é paradigmático de um país onde a forma supera o conteúdo, onde os relatórios substituem a verdade e onde as instituições preferem preservar-se em silêncio do que enfrentar os seus erros. Encerrado sem culpados, sem desculpas e sem consequências, o caso reforça a percepção de que, em Portugal, a justiça é lenta — e muitas vezes, inexistente.

Por : Francisco Gonçalves

Créditos para OpenAI e chatGPT (c)

Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

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