humanidade,  Sociedade e politica

Inteligência Artificial e Censura: Quando o Futuro da Tecnologia é Capturado pelo Autoritarismo

Por Augustus

A inteligência artificial (IA), tida por muitos como o pináculo da inovação humana, pode também revelar-se um perigoso instrumento de dominação, especialmente quando nas mãos de regimes autoritários. O caso da China e do seu modelo DeepSeek é um exemplo paradigmático de como uma tecnologia criada para ampliar o conhecimento, apoiar a ciência e democratizar o acesso à informação, pode ser pervertida ao serviço da censura, da propaganda e do controlo social.

A promessa da IA e a sua inversão autoritária

A IA foi concebida como uma ferramenta de descoberta, capaz de aprender com dados, adaptar-se ao contexto e gerar respostas que ajudem os humanos a resolver problemas complexos. No seu estado mais puro, é um instrumento de libertação — permitindo que indivíduos acedam a conhecimento antes reservado a elites técnicas, ou que comunidades encontrem soluções para desafios locais com base em dados globais.

Contudo, quando o controlo do conhecimento se torna uma prioridade política, a IA perde a sua natureza universal. Em países como a China, a IA é desenvolvida sob um rigoroso controlo estatal, onde os modelos são forçados a obedecer a narrativas oficiais, a apagar temas sensíveis e a moldar respostas em função da ideologia dominante. Assim, o que deveria ser um espelho da complexidade humana transforma-se num megafone do regime.

DeepSeek: potência algorítmica, censura sistémica

O modelo DeepSeek, embora tecnicamente avançado, opera dentro das muralhas ideológicas do Partido Comunista Chinês. Palavras como “Tiananmen”, “direitos humanos”, “independência de Taiwan” ou “liberdade de imprensa” são silenciadas, distorcidas ou ignoradas. O modelo não falha por incapacidade técnica, mas por imposição política. A sua censura não é uma falha de segurança — é uma funcionalidade intencional.

Ao mesmo tempo, estes modelos são promovidos como alternativas à IA ocidental — mais eficientes, mais “seguras” e mais “respeitadoras” dos valores nacionais. Na realidade, são a ponta de lança de uma nova forma de autoritarismo digital, que alia o poder da tecnologia à opressão sistémica.

O perigo do precedente e a tentação de outros governos

O risco vai além das fronteiras chinesas. O sucesso do controlo algorítmico inspira outros governos — alguns já democraticamente frágeis — a considerar modelos semelhantes. A tentação de usar IA para filtrar a oposição, vigiar os cidadãos ou manipular a opinião pública está a crescer. E o silêncio cúmplice de grandes empresas tecnológicas, fascinadas pelos lucros nos mercados autoritários, apenas agrava a situação.

A resposta: IA ética, aberta e auditável

A única defesa real contra a censura algorítmica é um compromisso profundo com a transparência, a ética e a descentralização. A comunidade internacional deve insistir em modelos de IA auditáveis, em fontes abertas, sujeitos a revisões independentes. A IA deve ser tratada como uma infraestrutura crítica — como a água ou a eletricidade — e não como um brinquedo de elites políticas ou empresariais.

A União Europeia tem dado passos nesse sentido com o AI Act, mas muito mais deve ser feito para garantir que a IA não se transforme numa nova ferramenta de opressão global. O debate precisa de sair dos laboratórios e entrar nos parlamentos, nas universidades e na sociedade civil.

Conclusão

A inteligência artificial não é, por si, nem boa nem má. Mas, como qualquer ferramenta poderosa, é moldada por quem a controla. Num mundo onde regimes autoritários investem pesadamente em IA para consolidar o seu poder, é imperativo que os defensores da liberdade, da verdade e da democracia façam o mesmo — não para dominar, mas para libertar.

A história já nos ensinou que o silêncio diante da censura é o primeiro passo para o colapso da liberdade. Não cometamos o mesmo erro na era algorítmica.


Francisco Gonçalves

Créditos para IA e chatGPT (c)

Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

Deixe uma resposta

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *