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Futebol e Política: A Promiscuidade de um Amor Antigo


Como o desporto-rei se tornou o trono de interesses escusos, favores políticos e fraudes com cheiro a relvado molhado.

Publicado por Francisco Gonçalves em 25 de março de 2025


O futebol, fenómeno cultural e emocional que movimenta paixões, bandeiras e milhões, é há muito mais do que um jogo de onze contra onze. Tornou-se, desde o seu florescimento como espetáculo de massas, um território fértil para o crescimento de interesses paralelos, onde a política encontrou terreno abonado para semear influência, colher votos e ocultar podridões.

Das bancadas ao parlamento

Desde os tempos do Estado Novo que o futebol serviu como arma de distracção massiva. Salazar compreendeu cedo o poder narcotizante do desporto-rei. “Enquanto o povo grita golo, não pensa em revolução”, poderia muito bem ter sido o seu lema tácito.

Mas o 25 de Abril não rompeu, neste capítulo, com o passado. Democratizou-se o voto, mas o futebol continuou a ser instrumentalizado — agora com novas táticas. Presidentes de clubes passaram a fazer parte de comissões políticas, ministros tornaram-se “notáveis” nas assembleias gerais dos clubes. E os “três grandes” — Benfica, Porto e Sporting — tornaram-se quase em senhores feudais com influência que ultrapassa as quatro linhas.

Clubes como instrumentos de poder

A liderança de um clube proporciona notoriedade mediática, redes de contacto e capacidade de mobilização — tudo valioso para quem pretende ascender a cargos públicos. Não é raro ver ex-dirigentes desportivos ocuparem funções de destaque em câmaras municipais, partidos ou até no Governo.

Por outro lado, há municípios que despejam milhões de euros em apoios a clubes locais — tudo em nome da “proximidade com o povo”. Mas a moeda de troca é clara: votos.

Negócios, fraudes e silêncio comprado

Transferências inflacionadas, comissões obscuras, empresas de fachada, fundos de investimento sediados em paraísos fiscais — o futebol moderno transformou-se num negócio global onde se perde o rasto ao dinheiro com a mesma facilidade com que se perde um jogo ao minuto 90.

E tudo isto com o beneplácito de uma teia de silêncio: comunicação social condicionada, comentadores pagos, e uma justiça que entra em campo com receio de apitar.

A ilusão da festa, a realidade da miséria

Enquanto o povo vibra com um drible ou um golo, os decisores sorriem. O futebol distrai, acalma, entretém. Ajuda a manter a ilusão de que algo nos une, enquanto tudo à volta se fragmenta. “Somos todos seleção”, dizem — mesmo quando o país real sangra por dentro com salários baixos, corrupção impune e juventude emigrante.

E agora, quem marca o golo da verdade?

É tempo de devolver o futebol ao povo — não no sentido populista, mas ético. Despolitizar os clubes, profissionalizar a gestão com rigor e transparência, e retirar a teia de influências que os liga ao poder. Só assim o futebol voltará a ser o que sempre deveria ter sido: um jogo apaixonante, limpo, justo — e não o espelho sujo daquilo que a política, por vezes, representa.



Porque há jogos que não se deviam jogar com batota.


Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

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