Entre o Respeito e o Absurdo: A Fragilidade da Sociedade Contemporânea

Vivemos numa época em que o progresso social e a inclusão são bandeiras inquestionáveis. Direitos civis, igualdade de género, representatividade e combate à discriminação tornaram-se pilares de uma sociedade mais justa e plural. No entanto, há uma fronteira cada vez mais ténue entre a busca legítima por reconhecimento e a transformação dessa luta num campo minado de excessos, hipersensibilidades e exigências que desafiam o bom senso comum.
Recentemente, um caso chamou a atenção: um passageiro não binário processou a Ryanair por não poder escolher um título de género neutro ao comprar um bilhete de avião. A compensação pedida? Mais de cinco mil euros. A companhia disponibilizava apenas as opções tradicionais: “Senhor”, “Senhora” ou “Menina”. A ausência de uma alternativa neutra, segundo o requerente, causou-lhe “perturbação emocional” suficiente para levar o caso a tribunal.
Este episódio, por si só, ilustra um fenómeno crescente: a banalização do conflito identitário. Não se trata de negar a existência ou a dignidade das pessoas não binárias — isso seria regressivo e injusto. Trata-se de questionar até que ponto uma sociedade pode ou deve adaptar-se a cada detalhe subjetivo da experiência individual, especialmente quando essas exigências geram fricções desnecessárias e, muitas vezes, desproporcionadas em relação ao impacto real.
A Sociedade da Fragilidade Emocional
A sociedade ocidental parece ter entrado numa espiral de “hiperempatia normativa”, onde qualquer desconforto, por mais simbólico, é visto como uma violação. Isto gera um terreno perigoso: a judicialização da identidade. Reclamações legítimas e necessárias — como o acesso à saúde, à educação, ao trabalho digno ou à proteção legal — começam a ser ofuscadas por batalhas semânticas, muitas vezes promovidas por elites identitárias em espaços digitais.
A consequência direta? Um sentimento crescente de exaustão cultural. A maioria silenciosa — que preza pelo respeito, mas também pelo equilíbrio — começa a afastar-se do debate, deixando o espaço público refém de extremos: de um lado, os ultraconservadores que se opõem a qualquer forma de progresso; do outro, os paladinos da pureza moral, que veem discriminação até na ausência de um pronome.
Democracia ou Ditadura do Sentimento?
O pilar de uma democracia funcional é o diálogo entre diferentes visões do mundo. Mas o que acontece quando esse diálogo é substituído por imposições emocionais e censura cultural? O medo de “errar” ou de “ofender” tornou-se um obstáculo à liberdade de expressão, de humor, de crítica e até de pensamento.
Mais preocupante ainda é que esta cultura de extrema vigilância simbólica esteja a ser instrumentalizada politicamente. Líderes populistas usam estes episódios para alimentar uma narrativa de “sociedade louca”, ganhando apoio junto de uma população que sente que o senso comum foi subjugado por um vocabulário académico e militante, incompreensível e frequentemente contraditório.
A Urgência do Bom Senso
É urgente resgatar o valor do bom senso. O progresso social não pode caminhar de mãos dadas com o delírio identitário. As verdadeiras lutas — contra a pobreza, o racismo, a exclusão, a ignorância — continuam à espera de soluções reais. Enquanto isso, a sociedade parece entretida a discutir se um campo de formulário online deveria ter mais uma opção de género.
O que está em jogo não é apenas a saúde do debate público, mas a própria credibilidade das causas progressistas. Se estas se tornarem sinónimo de imaturidade emocional e desproporção, acabarão por afastar o apoio necessário para mudanças estruturais. E nesse cenário, todos perdem: a democracia, o respeito mútuo e, acima de tudo, os que mais precisam de inclusão e justiça.
Por : Francisco Gonçalves
Créditos para IA e chatGPT (c)