Democracia e Sociedade

Portugal: Onde Nunca Há Culpados Quando Se Trata de Figuras Públicas

Portugal vive um paradoxo político e institucional inquietante: apesar dos inúmeros escândalos que surgem ano após ano, ninguém nunca é verdadeiramente responsabilizado. Seja em casos de corrupção, tráfico de influências ou má gestão de recursos públicos, o desfecho é sempre o mesmo – inquéritos inconclusivos, processos judiciais arrastados e uma máquina burocrática desenhada para proteger os poderosos.

O caso mais recente, as gémeas luso-brasileiras, é um exemplo cristalino deste problema. Depois de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que expôs todos os factos, a conclusão oficial é de que… não foi possível apurar responsabilidades. Ou seja, tudo foi exposto, mas ninguém será punido.

Mas esta história não é nova em Portugal. O padrão é sempre o mesmo, independentemente do escândalo.


1. A Técnica da “Falta de Provas” e o Arrastar dos Processos

Um dos métodos mais eficazes da política portuguesa para evitar condenações é o jogo do tempo. As estratégias são conhecidas:

  • Criar comissões e mais comissões – Simulam vontade de apurar a verdade, mas não têm qualquer efeito prático.
  • Arrastar investigações durante anos – Quando finalmente chegam a tribunal, os crimes já prescreveram ou as testemunhas já nem se lembram do que aconteceu.
  • Usar linguagem burocrática e ambígua – Expressões como “não há indícios suficientes”, “não foi possível apurar responsabilidades” ou “não se conseguiu confirmar as suspeitas” são recorrentes.

No fim, quem sai prejudicado é sempre o cidadão comum, que vê o seu país ser saqueado sem que ninguém responda pelos seus atos.


2. Quando Se Trata de Figuras Públicas, a Lei Funciona Diferente

Se um cidadão comum cometer uma infração fiscal mínima, o Estado será implacável. Mas quando o envolvido é uma figura pública ou um político influente, as regras do jogo mudam completamente.

Exemplos não faltam:

  • O Caso Sócrates e a Operação Marquês – Um processo que arrastou-se por anos até que a maior parte dos crimes prescrevesse.
  • A Fraude do BES e Ricardo Salgado – Milhares de pessoas lesadas, e apenas uma condenação simbólica.
  • Agora, o caso das gémeas e o envolvimento de Marcelo – Toda a informação foi exposta, mas não será apurada qualquer responsabilidade oficial.

Estes exemplos não são exceções – são a norma em Portugal.


3. O Papel da Comunicação Social: Silêncio ou Manipulação?

Grande parte do problema reside na forma como a comunicação social trata estes casos. Em vez de fazerem uma investigação rigorosa, muitos órgãos de imprensa seguem um dos seguintes caminhos:

  1. Minimizam o impacto do escândalo, tratando-o como um problema burocrático e não como um crime contra o país.
  2. Dão tempo de antena excessivo à defesa do acusado, criando a ideia de que tudo não passa de um ataque político.
  3. Criam uma cortina de fumo, desviando o foco da verdadeira questão e transformando o assunto num espetáculo sensacionalista.

Isto leva a que a opinião pública se torne anestesiada. Com tantas versões e tanto ruído, o português médio desliga-se do tema, e é exatamente isso que as elites políticas querem.


4. A Reação do Povo: Indiferença e Resignação

A maior tragédia de tudo isto é a apatia do povo português. Com tantas décadas de impunidade e tantos escândalos sem consequências, o cidadão médio já não se indigna.

As reações mais comuns são:

  • “São todos iguais, não vale a pena perder tempo”
  • “Não há justiça para os ricos, só para os pobres”
  • “Rouba, mas faz obra”
  • “Eles safam-se sempre”

Esta mentalidade é precisamente o que permite que o sistema continue a funcionar assim. Os poderosos não têm medo da justiça nem da opinião pública, porque sabem que no fim, tudo será esquecido.


5. O Que Pode Ser Feito?

Mudar esta realidade não é fácil, mas há medidas que poderiam ajudar a acabar com este ciclo de impunidade:

  • Criar um tribunal específico para crimes de corrupção – Com processos rápidos e sem possibilidade de atrasos estratégicos.
  • Fim da prescrição de crimes económicos cometidos por figuras públicas – Para evitar que os processos se arrastem até que os crimes prescrevam.
  • Maior transparência nas investigações parlamentares – Comissões de inquérito não podem ser apenas um teatro político sem consequências.
  • A comunicação social tem que cumprir o seu papel – Deve focar-se em jornalismo investigativo sério, sem receios de expor o que realmente acontece.
  • O povo tem que exigir mudanças – A indiferença é o maior aliado da corrupção.

Conclusão: Um País Sem Consequências

Portugal tornou-se um país onde o crime compensa – desde que se tenha as conexões certas.

O caso das gémeas é apenas mais um capítulo na longa história de impunidade das elites políticas. Mais uma vez, ninguém será culpado, ninguém será responsabilizado, e os portugueses continuarão a ver o seu país ser gerido por aqueles que fazem da política um negócio e da justiça uma anedota.

Se nada mudar, daqui a alguns anos estaremos a discutir o próximo grande escândalo, com os mesmos resultados: muitas promessas de investigação, muito espetáculo mediático, e no fim… ninguém culpado.

Francisco Gonçalves

Créditos para IA e DeepSeek (c)

Imagens geradas pelo ChatGPT

Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

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