Democracia e Sociedade

Democracia em Portugal: O Estado a que Chegámos

A democracia portuguesa, conquistada com esforço e esperança no 25 de Abril de 1974, encontra-se hoje num estado preocupante. O ideal de um país livre, justo e desenvolvido foi sendo minado por um sistema político fechado, marcado pelo nepotismo, pelo amiguismo e pela corrupção. A degradação das instituições, a falta de responsabilização dos governantes e a resignação dos cidadãos colocam em risco o próprio futuro da democracia.

Entre a liberdade e a impunidade

António Barreto, figura respeitada da sociologia portuguesa e defensor da liberdade antes e depois da Revolução, não poupou críticas à degradação do regime democrático. Recentemente, numa declaração polémica, afirmou que “a Justiça do antigo regime era mais séria do que a de agora”. Apesar de ser impossível ignorar os abusos e a repressão do Estado Novo, a sua afirmação reflete um sentimento partilhado por muitos portugueses: o de que hoje a impunidade reina e que a democracia não trouxe a justiça eficaz que se esperava.

A Justiça, que deveria ser um dos pilares do Estado democrático, tem falhado sucessivamente em lidar com os casos de corrupção que envolvem figuras de topo da política e da economia. Os processos arrastam-se durante anos, muitas vezes sem consequências reais. O sistema parece feito para proteger os poderosos, enquanto o cidadão comum sente que vive num país onde a lei não é igual para todos.

A política como meio de enriquecimento

A magistrada Maria José Morgado, uma das vozes mais firmes no combate à corrupção, afirmou sem rodeios que “a maioria dos políticos consegue acumular autênticas fortunas e saem ricos da política ao fim de uma mera dezena de anos”. Exemplos não faltam. Os casos de governantes e autarcas envolvidos em esquemas de favorecimento, tráfico de influências e gestão danosa são tantos que a indignação se transformou em cansaço.

O recente caso de Luís Montenegro, que colocou a sua empresa no nome da esposa e dos filhos ao tomar posse como primeiro-ministro, só para depois, quando a situação se tornou pública, retirar a esposa e deixar apenas os filhos como titulares, é um exemplo desta normalização do conflito de interesses. Ele próprio insiste que “não cometeu nenhuma ilegalidade”, como se isso bastasse para justificar a promiscuidade entre os negócios privados e a governação pública.

A resignação do povo

O mais alarmante não é apenas a corrupção ou a ineficácia da Justiça, mas a aceitação passiva do povo português. A frase “roubam, mas fazem” tornou-se um refrão que justifica a permanência no poder de políticos cuja integridade é, no mínimo, questionável. O fatalismo instalado faz com que muitos se convençam de que não há alternativa, de que “são todos iguais” e que nada pode ser mudado.

António Barreto tem razão quando alerta para o estado a que chegámos. Não há democracia sem cidadãos ativos, sem exigência, sem uma opinião pública que fiscalize e pressione os governantes. O desinteresse generalizado pela política, a elevada taxa de abstenção e a falta de mobilização popular são sinais de um sistema que já não representa verdadeiramente os seus cidadãos.

Para onde vamos?

Se Portugal continuar neste caminho, arrisca-se a ver a sua democracia esvaziada de significado. Quando o regime democrático se torna apenas um jogo de poder entre elites políticas e económicas, afastado das reais necessidades da população, o terreno fica aberto para soluções populistas e autoritárias.

Mas a História ensina-nos que a mudança é possível. A Islândia, por exemplo, mostrou que quando um povo se mobiliza, consegue exigir responsabilidade e transparência. A democracia portuguesa precisa urgentemente de cidadãos conscientes, exigentes e participativos. Só assim poderemos impedir que o país continue a ser governado pelos mesmos interesses que o têm mantido pobre e atrasado.

O estado a que chegámos não é uma fatalidade. É uma escolha – e está na altura de escolhermos diferente.

Francisco Gonçalves

Créditos para IA, DeepSeek e chatGPT (c)

Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

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