Democracia e Sociedade

O Harakiri Geopolítico dos EUA e a Ascensão da China

A política externa americana está a atravessar um dos momentos mais críticos da sua história recente. Com a possibilidade de um regresso de Donald Trump à Casa Branca e a sua aparente disposição para reaproximar-se da Rússia de Vladimir Putin, os Estados Unidos correm o risco de enfraquecer as suas alianças estratégicas e abrir um enorme espaço para a ascensão da China como a maior potência global.

Se confirmadas, as intenções de Trump de reduzir o apoio à NATO, minimizar a importância da guerra na Ucrânia e adotar uma postura isolacionista podem ter consequências devastadoras para a ordem mundial. Este cenário criaria um vácuo de poder que seria rapidamente preenchido por Pequim, num momento em que Xi Jinping já tem demonstrado ambições globais crescentes.

1. A China como principal beneficiária da fraqueza dos EUA

O modelo de política externa dos EUA, desde a Segunda Guerra Mundial, baseia-se no princípio de liderança global e defesa dos valores democráticos. O afastamento desse papel pode abrir caminho para que a China se apresente como alternativa, sobretudo para países que buscam investimentos e estabilidade sem condicionantes ideológicas.

Nos últimos anos, Pequim tem expandido a sua presença global através da Iniciativa do Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative, BRI), financiando infraestruturas em África, Ásia, América Latina e até na Europa. Com os EUA a reduzirem o seu envolvimento internacional, a China poderá consolidar essa posição sem resistência significativa.

Além disso, Pequim tem trabalhado na desdolarização da economia mundial, promovendo o yuan como moeda alternativa ao dólar em transações internacionais. Caso os EUA entrem numa fase de instabilidade política e fragilização econômica, esta estratégia poderá ganhar ainda mais força.

2. O impacto na Europa e na NATO

A maior preocupação dos aliados ocidentais não é apenas a possibilidade de os EUA abandonarem a Ucrânia à sua própria sorte, mas sim o efeito dominó que isso pode causar. Se Washington deixar de ser um pilar de segurança europeia, países como Alemanha e França terão de assumir uma responsabilidade militar muito maior, algo para o qual ainda não estão totalmente preparados.

A NATO, que depende fortemente do compromisso americano, poderá ver a sua coesão enfraquecida. Um cenário de dúvidas sobre a garantia da defesa coletiva do artigo 5º da aliança poderia incentivar países como a Polónia, os Estados Bálticos e até mesmo a Finlândia a reverem as suas estratégias de segurança.

A Rússia, por sua vez, interpretaria essa fraqueza como um sinal de que pode continuar a sua política expansionista, possivelmente com novas ameaças a Estados vizinhos como a Moldávia ou a Geórgia.

3. O domínio da China no Indo-Pacífico

Se os EUA se retraírem na Europa, a sua presença no Indo-Pacífico também poderá ser afetada. Atualmente, Washington tem tentado conter a influência chinesa na região através de alianças como o Quad (EUA, Índia, Japão e Austrália) e o AUKUS (EUA, Reino Unido e Austrália). No entanto, sem uma liderança clara, países como Taiwan e Filipinas poderão sentir-se mais vulneráveis às investidas de Pequim.

A China já reivindica praticamente todo o Mar do Sul da China, uma região estratégica por onde passa um terço do comércio marítimo global. Sem uma oposição forte dos EUA, Pequim pode intensificar a sua presença militar na região e aumentar a pressão sobre Taiwan, acelerando os planos para uma possível reunificação forçada da ilha.

4. A parceria estratégica entre China e Rússia

Se Trump aliviar a pressão sobre Moscovo, isso poderá reforçar ainda mais a parceria entre a China e a Rússia. Atualmente, a economia russa sobrevive em grande parte graças ao comércio com Pequim, que compra petróleo e gás a preços reduzidos, contornando as sanções ocidentais.

Com os EUA enfraquecidos e a Europa desorganizada, a China pode emergir como a principal mediadora global, consolidando um eixo de poder alternativo ao Ocidente. Pequim já tem promovido acordos de paz entre países como a Arábia Saudita e o Irão, demonstrando que está disposta a ocupar o papel de negociador global que os EUA tradicionalmente desempenhavam.

5. O risco de um novo equilíbrio de poder

Se Trump seguir adiante com a sua política de isolamento e desprezo pelas alianças históricas, os EUA poderão estar a cavar a sua própria cova como potência hegemônica. O mundo não funciona no vazio, e qualquer recuo americano será automaticamente aproveitado pela China, que tem um plano estratégico bem definido para substituir os EUA como potência dominante.

Neste contexto, a Europa terá de agir rapidamente para garantir a sua própria segurança e reduzir a sua dependência dos EUA. Isso poderá significar um reforço na capacidade militar da UE, a criação de novas alianças estratégicas e uma postura mais independente em relação à política global.

Conclusão

A história já mostrou que quando uma grande potência abdica do seu papel global, outra toma o seu lugar. Se os EUA optarem por um caminho de isolamento e fragilização das suas alianças, estarão a abrir a porta para que a China assuma um protagonismo sem precedentes.

A questão agora não é se Pequim irá aproveitar esta oportunidade, mas sim até que ponto os EUA e os seus aliados estão preparados para lidar com as consequências dessa mudança de poder. Se a Europa e outras democracias não reagirem a tempo, podemos estar à beira de uma nova ordem mundial onde a China definirá as regras do jogo – e os EUA terão sido os principais responsáveis pelo seu próprio declínio.

Francisco Gonçalves

Créditos para IA, chatGPT e DeepSeek (c)

Francisco Gonçalves, com mais de 40 anos de experiência em software, telecomunicações e cibersegurança, é um defensor da inovação e do impacto da tecnologia na sociedade. Além da sua actuação empresarial, reflecte sobre política, ciência e cidadania, alertando para os riscos da apatia e da desinformação. No seu blog, incentiva a reflexão e a acção num mundo em constante mudança.

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